terça-feira, 4 de agosto de 2009

5 ASPECTOS ÉTICOS DAS REPORTAGENS PUBLICADAS NA FOLHA

Segundo Freitas e Campos (2008), “desde há muito, não se vê um crime que tenha alcançado um espaço tão substancioso na mídia como o caso da menina Isabella de Oliveira Nardoni, encontrada morta no dia 29/03/2008 no jardim do prédio do seu pai Alexandre Nardoni, em São Paulo”.

Não houve um dia sequer, desde o homicídio, em que os jornais não tenham direcionado sua atenção para o episódio. No caso da menina Nardoni [...] a Polícia Judiciária, o Ministério Público, a sociedade e a mídia insistem na tese de que o crime foi cometido pelo pai e pela madrasta. Há um verdadeiro reality show sobre o caso. (FREITAS E CAMPOS, 2008)

“Muitos juristas – nem sempre com a acuidade necessária – são chamados em redes de televisão para emitir a sua opinião sobre o caso. Os editoriais dos jornais, não raro, cuidam do assunto”, diz Freitas e Campos (2008).

Para as organizações de segurança, a mídia é um dos palcos no qual atuam alguns de seus mais importantes agentes, e por meio do qual se comunicam com o público e adquirem notoriedade. A matéria-prima deste relacionamento é um bem público de interesse crucial para os cidadãos, que aspiram as condições de segurança como um dos componentes de qualidade mais centrais de suas vidas. (RAMOS E PAIVA, 2007, p. 33).

Para Ramos e Paiva (2007), “a cobertura da violência, da segurança pública e da criminalidade realizada pela imprensa brasileira sofre de dependência em alto grau das informações policiais. A polícia é a fonte principal - se não a única - na maioria esmagadora das reportagens”.

Ambigüidade, conflitos, e sentimentos controversos marcam as relações entre mídia e o setor da segurança. A imprensa tem nos problemas de violência e criminalidade um dos maiores interesses de seus leitores, ouvintes e telespectadores. (RAMOS E PAIVA, 2007, p. 33).

“Os jornalistas [...] argumentam que não há como evitar esta situação. Responsáveis pela repressão, registro e investigação de crimes e outros atos violentos, as polícias Civil, Militar e Federal são, naturalmente a principal fonte de informação”. Ramos e Paiva (2007).

Nesse particular, é possível perceber uma gama de opiniões, algumas aceitáveis juridicamente, outras nem tanto. No dia 29/04/2008, um mês após o assassinato da menina Nardoni, o jornalista Luiz Garcia, no Jornal O Globo, em artigo intitulado "A duração do horror", comentou sobre o tema, numa interessante visão. Após tecer algumas considerações sobre o caso, o jornalista escreveu: "a dupla está declarada culpada de um dos mais repugnantes crimes que se conhecem: o infanticídio". O jornalista, malgrado seu conhecimento sobre inúmeras ciências, cometeu uma impropriedade jurídica imperdoável. O infanticídio é delito cometido exclusivamente pela mãe (no máximo, segundo admitem alguns juristas, com a participação de outra pessoa) em relação ao filho recém-nascido e – isto é fundamental – sob influência do estado puerperal. (FREITAS E CAMPOS, 2008)

De acordo com Freitas e Campos (2008), “no caso da menina Isabella, não foi a mãe supostamente quem a matou, mas sim a madrasta e o pai, o que, de plano, já afastaria o delito de infanticídio”.
Assunto que chocou o Brasil, não só pelo fato em si, mas também pelo exagero de como foi apresentado pelos veículos de comunicação, o caso Isabella certamente ficará marcado, assim como o exemplo da Escola Base, como um assunto a ser analisado pelos estudantes de jornalismo no que diz respeito à ética profissional. Embora se saiba que existem, além de apenas o fato em si, outras ideologias que pedem uma busca constante de novas e exclusivas informações, é impressionante como profissionais que defendem o interesse público tratam essa situação como algo novelístico, muitas vezes deixando fontes falarem sem filtrar o que é passado.

Até o que não se tem certeza é veiculado, na agonia de sempre ter algo o que publicar, afinal de contas se outros colegas encontraram informações, eles precisam também, ou então ficam em desvantagem. Mas a verdade dos fatos deve ser tratada com responsabilidade, pois no lugar de transmitir a informação, o resultado pode se tornar o inverso.
Segundo Barbeiro e Lima (2005), “a ética é uma reflexão crítica sobre a moralidade: um conjunto de princípios e disposições voltados para as ações, produzidos por meios históricos, cujo objetivo é balizar as ações humanas”.

A constituição Federal veta qualquer forma de censura de natureza política, ideológica ou artística. O jornalismo está nesse bojo e teoricamente há garantia de liberdade da informação jornalística. Contudo as garantias legais de liberdade de imprensa e opinião não dão ao jornalista imunidade na divulgação de suas reportagens. Além das questões éticas, que são tratadas por uma Comissão de Ética eleita em Assembléia Geral da categoria, há os limites estabelecidos pela lei e os jornalistas podem responder tanto civil como criminalmente. (BARBEIRO E LIMA, 2005)

“O texto jornalístico, seja em veículo impresso ou eletrônico, deve ser claro, conciso, direto, preciso, simples e objetivo. São normas universais, de absoluto consenso na TV, no rádio, na internet, em jornal ou revista”, diz Barbeiro e Lima (2005).

A liberdade de expressão e de imprensa é inadmissível sem o amplo respeito aos direitos humanos. Os direitos humanos garantem a integridade do jornalista e de todas as pessoas que querem expor livremente suas idéias sem qualquer temor ,opressão, ameaça ou qualquer atentado contra a vida. O jornalismo tem o compromisso de manter a universalidade dos direitos humanos, independente da condição social, econômica ou mesmo criminal das pessoas. Os jornalistas precisam estar conscientes de que somente os poderes constituídos democrática e legalmente podem impor ordem à sociedade. O poder das autoridades é limitado pela lei e ninguém deve se submeter ao arbítrio. (BARBEIRO E LIMA, 2005)

Todo jornalista, em suas atividades, deve seguir seus princípios profissionais, respeitando o limite ético constitucional. Embora isso não aconteça na prática, não se pode generalizar, há ainda quem consiga ser bom profissional com responsabilidades e valores. Com o acirramento entre as empresas de jornais e revistas e até mesmo por parte dos próprios jornalistas, algumas regras são quebradas para que eles possam atingir uma melhor colocação no mercado ou até mesmo dar a notícia em primeira mão para se manter em destaque entre os outros colegas. Será que o profissional ético age dessa forma? Será que a Folha esqueceu seu papel como veículo e os repórteres esqueceram que existe um código que regulamenta a profissão bem como estabelece seus direitos e deveres?

Segundo Cremilda Medina, a autora que maior atenção deu à questão da estrutura do texto jornalístico, no Brasil, a reportagem reúne tantas informações, por observar a abertura de espaços geográficos e as possibilidades de tempo objetivo e subjetivo ampliados pelo mundo contemporâneo, que se atrapalha, quando tenta estabelecer a ordenação cronológica ou a chamada pirâmide invertida - a ordenação do que é mais para o menos importante no texto. (COIMBRA, 2002, p. 10).

O Capítulo II, presente no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que fala na conduta profissional do jornalista no Artigo 3º diz que: O exercício da profissão de jornalista é uma atividade de natureza social, estando sempre subordinado ao presente Código de Ética. Já no Art. 6º do mesmo código diz que é dever do jornalista: I - opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas fica cada vez mais evidente que A Folha de S. Paulo assim como os outros veículos de comunicação, não respeitou estas leis na cobertura do caso Isabela. Como se sabe, durante a cobertura deste fato, jornalistas passaram horas na frente da casa da família Nardoni, impedindo a livre circulação dos moradores daquela casa e da rua bem como suas atividades normais do dia-a-dia, o que contraria o Artigo XII da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz: Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. Ou seja, os amigos da família não podiam visitá-la, pois a imprensa abordava a pessoa e tentaria arrancar uma entrevista de qualquer forma, ou se algum vizinho que, porventura, tinha um hábito de caminhar todos os dias naquela região, a fim de fazer exercícios físicos, certamente teve que parar suas atividades por conta da movimentação de dezenas de carros dos veículos de comunicação que naquela rua ficavam de plantão.

Verifica-se também na Declaração Universal dos Direitos Humanos Artigo XI, que diz no item 1: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”. Ou ainda no item 2: “Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso. Todos sabem que isso não aconteceu”.

Desde que foi acusado de ter jogado sua filha, Isabella Nardoni, de 5 anos, do 6º andar de um prédio num bairro de classe média em São Paulo, Alexandre recebeu o veredicto definitivo de "culpado". A madrasta, Ana Carolina, igualmente acusada pela morte da menina, vive situação idêntica. Ambos alegam inocência, mas o circo armado pela mídia em torno do caso, com a inestimável contribuição da polícia, fez com que Alexandre e Ana Carolina fossem lançados à fogueira da inquisição. As redes de televisão e emissoras de rádio fazem plantões na porta da delegacia e na entrada do prédio onde aconteceu a tragédia. Os jornais estampam manchetes retumbantes. Vizinhos, que não querem se identificar ,dão declarações que incriminam ainda mais o casal. Pelo menos até agora, não se produziu uma mísera prova concreta contra o pai e a madrasta de Isabella. (THEME, 2008)

“Mas, e se não foi ele? Esta é a pergunta tentadora. Trata-se de um crime bárbaro, brutal, que além de uma menina morta brutalmente pode estar produzindo outras vítimas, assassinadas em vida”, diz Theme (2008).

É inacreditável como, em nome da sociedade-espetáculo, parte da mídia subverte a lógica de que até prova em contrário, todos são inocentes. Não hesita em condenar pessoas ainda na condição de suspeitas. O célebre caso da Escola de Base, em São Paulo, é uma lição solenemente ignorada. O que são algumas vidas quando se luta pela maior audiência, pela maior tiragem? Admita-se a hipótese, diante de tantas evidências (que ainda não se converteram em prova, repita-se) de que Alexandre e/ou Ana Carolina sejam culpados pela morte de Isabella. Ambos estão com prisão preventiva decretada e até agora são os principais (ou melhor, os únicos) suspeitos. Ainda assim, nada elimina os excessos que foram e estão sendo cometidos para manter as labaredas acesas e prolongar ao máximo a superexposição da tragédia. (THEME, 2008)

Diante das noticias sobre o caso Isabella pode-se concluir que a mídia estaria prestes a repetir o mesmo episódio da Escola Base, onde um delegado passou informações precipitadas à imprensa, que transmitiu sem ouvir o outro lado da história, os donos da escola, que mais tarde foram inocentados pela justiça, causando um estrago na vida dos donos da escola – cerca de dez anos depois os principais veículos do país foram condenados a pagar indenização aos ex-proprietários. Embora os resultados judiciais apontem cada vez mais como culpados o pai e a madrasta da menina, ainda não há decisão final e tudo pode se virar ao contrário. Mas mesmo que as investigações ainda não tenham sido finalizadas, jornais e revistas já apontam o casal como culpados. Qual o poder da imprensa em julgar um individuo? O fato é que certos profissionais fazem esse tipo de infração às normas para se destacar sem se preocupar em respeitar os direitos fundamentais das pessoas envolvidas e até mesmo aquelas que por infelicidade, moravam ou estavam próximas ao prédio dos Nardoni, que ficaram sem privacidade e perderam o direito de ir e vir ou então tinham que se submeter às perguntas e empurrões de centenas de jornalistas que ali estavam de plantão.

Uma série de indícios, porém, colocou em xeque a versão do pai e da madrasta: havia vestígios de sangue no apartamento, Isabella parece ter morrido por asfixia e quebrou apenas um pulso na queda. Há também o relato de vizinhos que teriam ouvido a menina gritar "Pára, pai! Pára, pai!". Tudo isto deu motivo para que uma delegada que acompanha o caso tenha chamado o pai de Isabella de assassino na saída do depoimento à polícia. A soma dos indícios sem dúvida pode levar o público a desconfiar da história contada pelo pai e pela madrasta da criança morta, mas não pode de maneira alguma permitir que os responsáveis pela publicação das reportagens sobre o caso tratem o casal como culpados ou mesmo suspeitos em um momento tão inicial das investigações. (MAGALHÃES, 2008)

Constata-se que não só a mídia, que mostra os acontecimentos e a cada momento passa uma nova informação para as pessoas, como também algumas fontes da justiça são responsáveis por, alguns momentos, passar informações precipitadas ou ainda não comprovadas acerca de determinado assunto. Ainda que um delegado possa dizer que um suspeito é o criminoso, acreditando, talvez, em sua experiência do dia-a-dia, usem de sua sensibilidade para incriminar alguém, os jornalistas devem saber que as informações precisam ser filtradas antes de ser encaminhadas para os veículos, mas devido a briga pela audiência e pelo maior número de tiragens dos impressos, a espetacularização se faz presente, e milhares de pessoas, famílias, as vezes até inocentes, são colocadas à exposição, perdendo o direito a moral, imprescindível para o exercício de suas vidas. Se não fossem tão evidentes os fatos, o caso Isabela seria o mais novo exemplo da Escola Base. E não adianta ninguém falar que o que foi veiculado, foi justamente porque os índices levam a incriminação do casal, porque somente a justiça é quem pode dar o julgamento, que já começou desde o segundo dia de exibição da reportagem sobre o caso pela mídia.

[...] o Diário não veiculou informação falsa nem acusou peremptoriamente o pai de Isabella de assassinato. Sim, e provavelmente esta capa passou pelo departamento jurídico do jornal para avaliar se ela poderia ser objeto de processo. A manchete certamente também cumpriu o objetivo de fazer o jornal vender mais. Os responsáveis pela publicação sabem, também, que esta manchete destruiu a reputação do pai de Isabella. Ainda que no final das investigações o assassino seja outra pessoa, como bem observou na terça-feira (2/4) o jornalista Clóvis Rossi na Folha de S.Paulo, o pai de Isabella já foi condenado pela imprensa. No caso do Diário de S.Paulo, foi condenado e exposto com requintes de crueldade. (MAGALHÃES, 2008)
Segundo Magalhães (2008), “O Diário de S.Paulo apostou todas as suas fichas em uma hipótese, a de que o pai de Isabella está envolvido na morte da filha. Se ele de fato estiver, o jornal tripudiou sobre um assassino. Se não estiver, acabou com a vida de um homem inocente”.

Um dos principais temas que vem indicando a complexidade do problema ético da atividade jornalística é, sem dúvida, a relação entre o direito privado à vida privada e a liberdade de informação jornalística em conexão com o interesse público. De um lado, parece-nos bastante genérico confuso e subjetivo somente definir que onde termina a vida privada começa o interesse público, ou simplesmente que a privacidade deve estar submetida ao interesse público. (KARAM, 1997, p. 71).

Falar sobre ética no jornalismo, direito à vida privada e interesse público é algo que parece confuso de entender. O primeiro estabelece normas a serem seguidas, em que uma delas é a preservação da privacidade alheia. No segundo há uma pergunta: como isso seria possível com uma personalidade pública que comete um ato de corrupção ou prejudica os interesses da sociedade, estando dentro de sua própria casa, pode ser filmado e denunciado, se lhe fere o direito à privacidade? Se os jornalistas devem falar, escrever, denunciar e transmitir assuntos de interesses sociais. Eles fazem isso constantemente de forma arbitrária ao direito da privacidade, porém ao mesmo tempo de forma que lhes são ensinados nas normas que regulamenta a profissão que é de denunciar os assuntos de interesse público. Ainda que exista essa proteção à vida privada, serve para limitar o abuso de jornalistas no que dizem respeito a assuntos de artistas considerados de pouco ou sem importância social, enquanto um assunto de interesse público que, além de prejudicar os interesses sociais, afeta também o próprio jornalista que está incluso nestes, deve denunciar, pois este direito de qualquer indivíduo termina quando o arbítrio às leis começa.

De acordo com Karam (2008), “a teoria, os debates, os centros de estudo, as escolas, as universidades, [...] são fundamentais para encaminhar outro rumo tanto para a sociedade em geral quanto para a atividade jornalística e a mediação ética que exige”.

O arbítrio no julgamento, na escolha e na edição de um acontecimento passa a ser tão grande quanto o de quem os escolhe e julga a partir de um ponto de vista crítico como leitor. Por isso, o tormento permanente entre privacidade, interesse público e liberdade de informação deve estar ancorado em valores sociais que envolvam tanto o universo da feitura do jornalismo (incluindo o profissional, os meios de comunicação e seus proprietários), quanto o público envolvido na esfera social e o universo de fontes (incluindo suas subjetividades) em um determinado caso. (KARAM, 1997, p. 73).

Os veículos de comunicação estão cada vez mais atrás de novas informações que prendam a atenção do seu público. Claro, afinal de contas trata-se de empresas capitalistas, mas em alguns momentos isso acontece de forma exagerada e sem respeito nenhum tanto com os envolvidos como com os vizinhos que nada tem a ver com isso. A busca por chamar a atenção do público segue cada vez mais nos veículos de comunicação seja ele impresso, televisivo, rádio ou online, o acirramento entre os profissionais para cada vez mais encontrar novidades, falam a respeito de um fato mesmo que as informações ainda não tenham sido comprovadas, o que se torna em alguns momentos falta de cuidado, comprometendo a ética.

Acho que está havendo uma espetacularização do fato. Os jornais estão trabalhando na perspectiva de construir uma grande trama novelística, na idéia de ter a cada dia uma novidade. Mas, como o processo desse caso nem sempre traz coisas novas a todo dia, há uma busca por boatos e fatos sem relevância que vão recheando as informações. A partir do momento que esse processo vira dramaturgia e é novelizado, acaba causando essa histeria, essa postura de linchamento que a população está tendo em relação aos acusados, suspeitos. (OLIVEIRA, 2008)

Segundo Oliveira (2008), “a cada dia, boatos, insinuações e informações não comprovadas acabam tendo um destaque que não teriam se o assunto fosse outro. Na busca por ter sempre um espaço diário e de criar essa narrativa, informações que não são comprovadas e que não tem relevância acabam tendo um espaço de notícia”.

Acho que é reflexo da crise do jornalismo tradicional, que perdeu de vez aquela função de fomentar o debate público, e cada vez mais está se aproximando dessa linguagem midiática do espetáculo para manter seus leitores. Como existe essa pressão comercial para o jornal vender e para manter a audiência, a busca por uma linguagem que é mais familiar, que tem mais apelo popular como a linguagem da teledramaturgia acaba sendo a saída para o jornalismo. Com essa preocupação cada vez maior de vender, ter lucros, inserção na vendagem - uma preocupação cada vez maior e que até se sobrepõe à preocupação social do jornalismo- acaba levando a esse tipo de estratégia, de incorporar uma dimensão mais da teleficção. (OLIVEIRA, 2008)

A crise do jornalismo atual em não mais atrair tanto os leitores torna-se um desses motivos que fazem com que os profissionais e as empresas busquem novas formas de chamar atenção do leitor. Essa é o motivo que, acredita-se, estar o jornalismo caminhando para um rumo de teleficção, isto é, sempre em busca de informações que prendam a atenção do leitor através de uma agenda por um determinado período.

A agenda que ela coloca como prioridade não tem repercutido em amplos setores da população. Por conta disso, há um descrédito da imprensa. Então essa busca por aspectos mais sensoriais das pessoas, envolvendo valores de família, relação pais-filha, esses elementos caros a uma cultura marcada pelo cristianismo como a nossa, acaba sendo uma estratégia da imprensa para reconquistar um espaço entre os leitores. Vale lembrar também que há um fantasma que ronda a imprensa, da Escola Base. O jornalismo tem trabalhado com uma coisa que eu chamo de “jornalismo receiver”, ao amplificar vozes que estão expressando suas opiniões no caso, sem ter a preocupação de contextualizá-las e de dar a dimensão à elas. Essa informação que a imprensa vai passando é absorvida porque ela não apresenta primeiro um grau de hierarquização dessas vozes todas. (OLIVEIRA, 2008)

Em busca de novas formas de chamar a atenção, a mídia escolhe os assuntos, agora não apenas só para informar como também para comover e despertar a curiosidade da grande massa, procurando falar sobre temas que envolvam mais os valores sociais como a família e violência urbana.

Para transmitir o deslocamento do pai e da madrasta da menina até uma delegacia da zona norte de São Paulo, a Globo jogou fora na Grande São Paulo toda a sua programação infantil e exibiu um “SP TV” “especial” com três horas e 16 minutos de duração. A emissora derrubou todos os intervalos comerciais das 9h30 às 12h31. Na sexta anterior, a “TV Globinho” (programação infantil) teve três paradas para anúncios. Com a suspensão da “TV Globinho”, a Globo igualou o caso Isabela a cobertura de alta relevância, como 11 de setembro, os ataques do PCC em 2006 e a visita do papa. A cobertura do caso Isabela derruba na última sexta um dos pilares da política de qualidade da Globo: o respeito aos intervalos comerciais. (FOLHA DE S. PAULO, 19. abril, 2008, p. C3).

Algumas emissoras de televisão chegam a ficar horas ao vivo e escalar um número grande de profissionais espalhados estrategicamente em lugares diferentes para cobrir o mesmo fato com o objetivo de conseguir mais informações e melhores ângulos, muitas vezes chegam a até criar especiais na grade de programação onde antes não existiam.

Num daqueles jornais matinais da Record, uma repórter intercepta um vizinho do apartamento onde o pai e a madrasta da menina estão hospedados. E fica insistentemente perguntando se ele viu ou ouviu algo. O homem diz que não, que de seu apartamento não dá para ouvir nem ver, que só vê uma parte da sacada. E ela insiste: da sacada dá pra ver a sala? A porta da sala fica aberta? São minutos intermináveis de vazio, em busca de algum fato novo. Do “furo”. E os videoclipes do terror? Com as imagens da menina na festa da escola? E abraçada com a mãe na piscina? Imagens editadas e ao som de musiquinhas melosas. Aliás, quem deu esses filmes e essas fotos para as emissoras de televisão? Com que intuito? Nas entrevistas a câmera fecha insistentemente nos olhos das pessoas, desesperadamente em busca de uma lágrima. Quando a lágrima aparece, entra o pianinho ao fundo. (PIRES, 2008)

Para Pires (2008), “isso tudo se trata de dramaturgia, espetáculo, showrnalismo, os repórteres são lançados à rua com a missão de conseguir mais que os concorrentes”.

O que acontece hoje é mais agressivo. A mídia deixa de ser a contadora de histórias para ser agente ativa no processo. Ela cria expectativas, aumenta percepções, acusa as pessoas e expõe hipóteses como sendo certezas. A verdade da manhã transforma-se em mentira à tarde e volta a ser verdade à noite. A mídia indicia e julga. Só não executa. E então o jornalista da televisão questiona a razão de as pessoas ficarem em frente à casa onde estão os suspeitos, xingando-os, jogando pedras no carro do avô da menina, num show de histeria coletiva. O jornalista não sabe a razão? Pois eu sei. É por causa dele mesmo, de seus colegas, do programa de televisão, dos jornais, rádios e revistas que transformaram o crime e seus personagens – inclusive o prédio – em celebridades. Motivada, dona Maria pega um ônibus às seis da manhã e vai até o prédio famoso onde arranja um lugarzinho bom para poder xingar os “assassinos”. Bate fotos com seu celular. Levanta o cartaz onde escreveu sobre o anjinho. Come o sanduíche que levou de casa. Comenta com a comadre sobre a janela de onde foi lançada a menina. Fala da informação exclusiva que recebeu do primo da namorada do vizinho do tio da amiga que trabalha no necrotério. Participa da ação. E, se der sorte, é entrevistada pela rede de televisão. Não acrescenta nada, mas tem seus quinze segundos de fama. E incentiva outras centenas de donas-marias, ávidas por aparecer na televisão. E loucas pra ver mais televisão. Que é tudo que a televisão quer. (PIRES, 2008).

Silva (2001), “o aluno-modelo dos cursos de jornalismo aplicado, fornecidos por grandes empresas de comunicação, acredita, antes de tudo, nas regras do "bom jornalismo" e na palavra do manual de redação. Não pensa cumprir a vontade do mercado, mas a verdade da profissão”.

Para formar novos profissionais, as escolas de comunicação apresentam todo seu arcabouço teórico e dá todas as ferramentas para que os profissionais saiam verdadeiros comunicólogos, mas se tratando da prática, é importante mostrá-los as realidades da profissão que ele seguirá, pois seria muito perfeito se tudo que se aprende na teoria também fosse utilizado na prática. O mercado está cada vez mais exigente e competitivo, o jornalismo impresso e nem outro veículo sobrevive se a publicidade que, de certa forma também contribuem na formação de um jornal e, um patrão jamais deixaria um repórter denunciar uma empresa que sonega imposto se ela é anunciante do seu jornal, esse exemplo também serve para definir como o mercado funciona na realidade.

Como funciona tudo isso? Quem estabelece os critérios de publicação? Qual a função básica do jornalismo atual? Administradora da fama, portanto do lugar social de cada um no espaço público, a mídia, mais do que a informar, dedíca-se a gerir o direito à glória, fugaz ou duradoura, dos atores sociais num determinado momento. O pensamento virou sinônimo de "chatice" (SILVA, 2001).

O jornalismo impresso seleciona seus assuntos de acordo com a agenda do momento, mas não só o impresso como os outros veículos também. Cada um encontra sua forma de fazer daquele assunto uma seqüência que despertará e prenderá a atenção de seus consumidores, muitas vezes se torna insuportável a repetição de um determinado assunto, mas os veículos continuarão a mostrar enquanto houver quem consuma, quem se interesse por aquela informação e da forma como ela é representada.

Fábrica de mitos, a imprensa não vive sem eles. Cabe-lhe confirmar o que o consumidor sente para ser espelhos das certezas alheias, que coincidem com as suas próprias palavras, e assim não despertar inconformidade. O leitor da Folha de S. Paulo é um consumidor de mitos e de mercadorias tão satisfeito e assimilador quanto o operário que adoraria catequizar. O jornalista é humano e funciona a partir de uma bagagem cultural e ideológica. Seleciona, recorta, veta, vê, não vê. Instalado, aprende a conhecer o domínio do patrão e a terra livre onde pode decidir favorecer este ou aquele, ou simplesmente anulas os indesejáveis. (SILVA, 2001).

O repórter serve de meio entre o fato e a população, entre o patrão e suas ideologias, assim ele não redige da forma que deseja e nem cita um fato em sua totalidade, cada fato possui muitas interpretações que cada jornalista encontra através de suas experiências sócio-históricas a forma de representar aquele fato e assim passar aos públicos.

Por outro lado, os jornais encontram nos textos curtos a melhor forma de combater a opinião desconfortável. Quando a notícia se resume ao lead, não há mais espaço para o estilo nem para a divagação pessoal. A folha de S. Paulo inventou o parágrafo de uma linha e meia para aumentar a simplicidade e eliminar o excesso. Informar traduz apenas a fachada da midiocracia. A maioria das novidades veiculadas está no grau zero da informação. A mídia vende o que o cliente deseja e cada vez mais se afasta das preocupações formadoras. (SILVA, 2001).

Não existe no jornalismo a objetividade sem a subjetividade. Esse assunto é muito discutido quando se fala no processo de criação de uma notícia, que os profissionais e as empresas de jornais devem ser objetivos ou imparciais, mas evidencias deixam claro que tanto o primeiro quanto o segundo estão juntos no processo de construção de uma informação.
Segundo Felipe Pena (2007), “o conceito de objetividade é um dos mais discutidos em jornalismo. Talvez, o mais antigo”.

Entretanto, o problema do conceito não está no tempo, mas na interpretação. A objetividade é definida em oposição à subjetividade, o que é um grande erro, pois ela surge não para negá-la, mas sim por reconhecer a sua inevitabilidade. Seu verdadeiro significado está ligado à idéia de que os fatos são construídos de forma tão complexa que não se pode cultuá-los como expressão absoluta da realidade. Pelo contrário, é preciso desconfiar desses fatos e criar um método que assegure algum rigor científico ao reportá-los. (PENNA, 2007, p. 50).

“A objetividade, então, surge porque há uma percepção de que os fatos são subjetivos, ou seja, construídos a partir da mediação de um indivíduo, que tem preconceitos, ideologias, carências, interesses pessoais ou organizacionais e outras idiossincrasias”, diz Felipe Pena, (2007).

Cada profissional, além ter suas próprias ideologias, responde também aos interesses da empresa onde trabalha. Quando uma empresa tem sua posição política a favor de um presidente, ainda que o jornalista seja contrário, ele fará sua notícia correspondente ao que sabe que seu patrão quer que seja publicado, mas quando a empresa não tem partido político, ou é considerada mais imparcial e, portanto, é livre, ainda assim não deixa de ser subjetiva, pois para organizar aquelas idéias, e escrever sobre aquele fato, o jornalista também faz de forma inconsciente, ou não, sua matéria sempre tendendo a favorecer mais um dos envolvidos do que o outro.