terça-feira, 4 de agosto de 2009

4 ANALISE DOS LEADS DA COBERTURA NO CASO ISABELLA NARDONI

Para Felipe Pena (2007), “o lead (ou lide) nada mais é do que o relato sintético de acontecimento logo no começo do texto, respondendo às perguntas básicas do leitor: o que, quem, como, onde, quando e por quê”.
Algumas variações de leads foram criadas ao longo do desenvolvimento do jornalismo, isto é, com o passar do tempo percebeu-se a necessidade de chamar atenção dos leitos de alguma forma, a informação era importante, mas os donos dos jornais perceberam que também precisariam continuar a vender os jornais. Outros jornais entravam em circulação no mercado e novas descobertas teriam que ser aplicadas a partir daquele momento. Foi então quando estudiosos na área de jornalismo desenvolveram o lead, que não se resume a apenas um, existem os leads:

Clássico é o mais comum e o primeiro que se aprende em jornalismo. É ele que apresenta aquelas seis perguntas, quem, o que, quando, onde, como e por quê? Justamente por ser considerado o lead padrão e principal que ele é o mais comum e mais utilizado pelos jornalistas. Nas reportagens da Folha de S. Paulo, uma delas que trouxe a resposta do lead clássico foi a de 31 de março, de 2008, página C7 que diz: “A menina Isabella Oliveira Nardoni, 5, morreu na noite de anteontem após cair do sexto andar de um prédio de classe média na região do Carandiru, na zona norte de São Paulo. A polícia trabalha com a hipótese de homicídio”. Neste caso as respostas das seis perguntas são: quem? A menina Isabella Oliveira Nardoni, 5; o que? Morreu; quando? Na noite de anteontem; como? após cair do sexto andar de um prédio de classe média; Onde? Na região do Carandiru, na zona norte de São Paulo; por quê? A polícia trabalha com a hipótese de homicídio. Neste caso o por que ela morreu é porque ela foi assassinada.

Clássico: que apresenta todos os elementos essenciais, mas sem preocupação com a hierarquização dos dados entre si, de modo a envolver o destinatário. Há muitos e bons jornalistas que passam a vida usando apenas esse. Entretanto, como produto de consumo, tal limitação além de atender monotonamente ás expectativas dos destinatários, reflete a acomodação do autor. (PENA, 2007, p. 44).

O lead de citação, assim como os outros leads, prende a atenção do leitor, porém torna-se forte porque ao fazer uma citação, o leitor despertará curiosidade em ler até o final, pois o autor daquela citação é quem está expressando aquelas palavras, assim depende da construção e da forma que o jornalista elabora, porque o leitor vai se envolver com aquela situação e vai continuar a ler aquela matéria até o final. Alguns jornais, como O Diário de S. Paulo, por exemplo, fizeram isso com o caso Isabela. No lead usaram aquelas palavras que os vizinhos disseram ouvir da menina, “Para, pai! Para, pai”! No momento em que aconteceu o crime. Ele também foi utilizado pela Folha nas suas reportagens. Esse exemplo abaixo foi encontrado na edição de 29 de abril, 2008, p. C3: “Meio ridículo”. “Foi assim que o advogado Antônio Nardoni, avô paterno de Isabella, classificou as cenas a que assistiu pela TV da simulação do assassinato da menina feita ontem pela polícia”.

De Citação: é iniciado com a transcrição de uma fala ou depoimento expressivos de um personagem da história a ser relatada, seguida dos demais elementos constitutivos. Exemplo: “Saio da Vida para entrar na História. Com esta expressão o presidente Getúlio Vargas registrou num bilhete suas esperanças de ajudas o país com seu suicídio, no Palácio do catete, com um tiro fatal no peito esquerdo ontem...” (PENA, 2007, p.44).

Ao iniciar o texto com o elemento “como”, o autor já está contando como aconteceu aquele fato para depois usar os outros elementos, quem, o que, onde, e por que. Ao fazer desta forma, o jornalista apenas não segue a ordem das cinco perguntas, porque ele já antecipa o “como”. Mas a depender do fato a ser noticiado, o lead deve ser construído pelo jornalista de acordo com as necessidades de como ele quer abordar aquele fato. A reportagem da Folha de 6 de abril de 2008, p. C5, tráz esse exemplo: “Foi o vestibular de direito, mais precisamente o das Faculdades Integradas de Guarulhos (na Grande São Paulo), que cruzou as vidas de Alexandre Alves Nardoni, 29, e Anna Carolina Peixoto Jatobá, 24”.

Circunstancial: o texto é aberto pela apresentação do elemento “como” ou circunstância, tão original que justifique a prioridade de iniciar o discurso. Exemplo: “Vascaíno desde criança, Vanderlei de Oliveira se surpreendeu, ontem, ao levar a esposa para o Maracanã. Em plena torcida do seu clube, quase foi linchado ao proteger a mulher, que inevitavelmente se levantou e vibrou com o gol do Flamengo, no primeiro tempo da partida... na Delegacia de Polícia ela apresentou queixa contra o marido...”. (PENA, 2007, p. 44).

Quando a matéria usa uma linguagem mais informal, sem a necessidade de fazer uma construção totalmente clássica. Os jornalistas podem usar esse tipo de lead para deixar a matéria mais leve ou até mesmo para ironizar determinadas situações ou pessoas, utilizando chavões que são comuns na linguagem popular. Na Folha não foi encontrado esse exemplo, até mesmo pelo tema do assunto que estava sendo abordado.

Clichê: um ditado ou chavão inicia a matéria, desde que associado aos fatos que serão apresentados a seguir, no restante da matéria; não deve ser confundido com o lide “de citação”, que só apresenta expressões usadas por um agente do fato apurado. Exemplo: “Filho de peixe, peixinho é. O jornalista Gustavo Loio – filho da ex-campeã brasileira Vera Loio e colunista deste jornal - ganhou o título do I torneio Sênior de Tênis na categoria ‘profissionais de jornalismo’, ao derrotar o subeditor e professor José Laranjo, por 2 X 1, na partida final, ontem, no Clube Novo Rio.” (PENA, 2007, p. 45).

O autor, no lead conceitual, escreve-o com um enfoque que chama atenção de quem começa a ler a matéria. Ele apresenta bem a importância que o dicionário tem para os jovens, mas pelo fato de já escrever o conceito de uma das palavras, o leitor teve que ler todo o lead para conseguir entender o contexto da matéria, pois provavelmente na reportagem deveria ter uma fotografia de um dicionário e com certeza da forma como começou o lead logo desperta a atenção para lê-lo todo. Veja o exemplo da Folha no dia 21 de abril de 2008, p. C5: “O casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pai e madrasta da menina Isabella, “sente muito medo de sair de casa”, “afirmou o avô da menina, Antônio Nardoni, em entrevista ontem à tarde”.

Conceitual – é aquele lide que emprega uma idéia, uma definição, para atrair o destinatário da notícia pela novidade ou enfoque diferenciado que o conceito traz; costuma ser utilizado em matérias que abordam exatamente a notícia daquela nova acepção. Exemplo: “’Garanhão é nome de cavalo destinado à reprodução e apelido aplicado a indivíduos que têm na atividade sexual performance acima da média.’ Esse é um exemplo de como são trabalhados os verbetes do novo dicionário lançado, ontem, pelas professoras Soraia Wenegas e Margot Barcia, produzido pela Jardiel Editores. Com 912 páginas, o Dicionário do pensamento popular destina-se ao público jovem e pode ser encontrado nas bancas de revistas, ao preço de R$ 99,00. Dispõe de um estudo sobre as raízes gregas do nosso vocabulário, de autoria da expert Thereza Bonente.” (PENA, 2007, p. 45).

Ao perceber a cronologia dos acontecimentos, o jornalista então escreve o lead desta forma, do fato mais antigo ao mais novo. Assim o leitor já conhecendo os fatos antigos, despertará a curiosidade de continuar lendo sobre aquele assunto até chegar ao mais atual.
Como diz a Folha de 22 de abril de 2008, p. C3: "Massataka Ota, pai de Ives Ota, assassinado aos oito anos [...] disse que Ana Carolina achou uma “Falsidade” a entrevista dada pelo casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá anteontem ao Fantástico”. O título desse lead foi “Falsidade”

Cronológico: o jornalista monta os dados na seqüência em que ocorreram os fatos, isto é, do mais remoto ao mais novo, em razão do impacto dessa articulação. Naturalmente, só deve ser adotado quando o jornalista percebe a força narrativa da ordem natural dos fatos. De forma bem explícita, esse lide depende expressamente de um título (talvez ajudado por um subtítulo) que trabalhe de modo mais imediato o clímax dos acontecimentos. (PENA, 2007, p. 45).

A partir do momento que o leitor se sente mais próximo de um determinado fato, ele fica preso a ele porque são assuntos de seu interesse. Quando ele percebe o “você”, como é o propósito deste lead num texto, ele logo pensa que pode ser algo que irá lhe beneficiar e que aquela informação é pode ser importante para ele.

Já sobre o lead de contraste, Felipe Pena (2008) diz que “o texto é iniciado por proposição ou pensamento relativamente vagos e que, na essência, contrastem com o “clima” da informação da notícia. Exemplo: a notícia sobre a deflagração da guerra, iniciada por uma frase sobre a paz”. Exemplo que não foi encontrado nas reportagens da Folha de S. Paulo na cobertura do Caso Isabella.

De apelo direto: procura envolver diretamente o leitor, ouvinte ou espectador, focalizando um aspecto do fato que tenha muita possibilidade de interessá-lo. Um traço bem singular desse lide é o tratamento individualizado com que parece abordar o leitor, chamando-o de “você”. Um breve exemplo: “Você que vai votar amanhã, siga o conselho do presidente do Tribunal Eleitoral, dr. João Marcelo Assafim: leve seus documentos de identificação pessoal...” (PENA, 2007, p. 45).

O caso Isabella não teve nenhum lead com esse exemplo, mas em outras partes de matérias publicadas foram destacadas fotos de pessoas em passeata pedindo com cartazes pedindo paz que foram publicadas destacando a palavra paz desses cartazes.

De contraste: O texto é iniciado por proposição ou pensamento relativamente vagos e que, na essência, contrastem com o “clima” da informação da notícia. Exemplo: a notícia sobre a deflagração da guerra, iniciada por uma frase sobre a paz. (PENA, 2007, p. 46).

Para exemplificar o lead descritivo, foi escolhida uma matéria publicada no dia 28 de abril de 2008, p. C, que diz: “Foi só os pezinhos da boneca representando a menina Isabella Nardoni aparecerem na janela do apartamento 62 do Edifico London e calaram-se os cerca de 150 jornalistas, técnicos e cinegrafistas que acompanhavam ontem desde as primeiras horas” [...], descrevendo a simulação do crime.

Descritivo: abre o texto com a reconstituição do cenário onde estão os personagens da história a ser narrada. Trata-se de um claro esforço de “pegar” o leitor pelo sentido visual, alimentando-o de estímulos a que praticamente todo o mundo ocidental – pelo menos- está atrelado no exercício da percepção. (PENA, 2007, p. 46).

O lead de enumeração é construído, citando alguns dados que fizeram parte daquele fato e depois é explicado o motivo deles estarem ali, como mostra o exemplo, pode ser tudo que aconteceu naquele momento, mas claro, de acordo com os critérios de noticiabilidade, porque existem dados que não fazem parte de uma matéria e, por isso, não devem ser citados. Não foram encontrados exemplos de leads de enumeração nas reportagens da Folha, do mês de março e abril que foram analisadas.

De enumeração: uma lista ou seqüencia de condições, hipóteses ou conseqüências (que tenham peso no acontecimento a ser relatado) inicia a matéria, assim, abruptamente. Muitas vezes os autores usam sinais típicos de listagem, como a seqüência: a), b), c). Em outras circunstâncias o discurso é mais sutil: “Coroas de flores, rostos tristes e muitas lágrimas sinalizavam a dor dos fãs de Ayrton Senna que foram se despedir do herói brasileiro enterrado ontem”. (PENA, 2007, p. 46).

Ao mesmo tempo em que se cria suspense, o lead dramático tem como característica, ser exagerado naquilo que está sendo mostrado, ele lembra muito o estilo de matéria nariz de cera, em que se contam os detalhes para depois chegar ao assunto em destaque. Mas as reportagens da Folha de S. Paulo analisadas não apresentaram esse exemplo.

Dramático: tem o estilo de conto; cria suspense para um desfecho inesperado que virá, usualmente, no sublide. Um pequeno exemplo talvez seja esclarecedor: “Adilson Fabiano era um operário invejado. Todos os dias, na cantina da fábrica, o abrir de sua marmita era cercado de expectativa pelos colegas que não conseguiam disfarçar um misto de inveja e admiração. A refeição recendia no ambiente todo. Ontem foi diferente: ao abrir a marmita sob o olhar atento dos colegas, Adilson deparou-se com uma cueca suja de batom, um revólver e um bilhete singelo: - Si tu é macho infia (sic) uma bala nos teu (sic) corno, traíra... Assinado: Lia.” (PENA, 2007, p. 46).

Como o próprio nome já diz, o lead interrogativo se apresenta em forma de pergunta, o que causa curiosidade do leitor em ler a matéria, porque ele vai querer saber a resposta daquela pergunta. Apesar da possibilidade de se construir um lead perguntando: Será Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá os assassinos de Isabella? Não foi dessa forma que aconteceu. O lead interrogativo construído pela Folha foi: “Autônomo”. “Mas o que o senhor faz para viver?” “Eeeee... Sou carroceiro”. “David Rogério Caminha, 36, é o homem de voz possante e hálito alcoólico que, diante do 9º DP, puxa o coro de cerca de 200 vozes que protestam [...]”.

Interrogativo: uma questão perturbadora e sem solução imediata abre a matéria. É preciso que trate de algo de algo que remeta o receptor para a instância da curiosidade, pois o questionamento rotineiro desinteressaria o receptor. Exemplo: “Sambista loura, de olhos azuis e pele européia, pode representar o Brasil no Festival Internacional do Carnaval, em Veneza? Pois essa é a descrição da passista da Beija-Flor Thuanne Corrêa, que venceu, nesta madrugada, o concurso para a indicação da sambista que representaria o destaque como Porta-Bandeira da Escola. (PENA, 2007, p. 46).

O lead rememorativo de diferencia do “cronológico” justamente porque o segundo é maior, pois conta o fato do mais antigo até chegar ao atual que se quer apresentar e o primeiro não é muito diferente, mas não deve ser confundido porque cada um tem sua própria característica e é diferente do outro. Neste caso o “rememorativo” é construído de forma mais ágil e resumidamente. A Folha não escreveu matérias com esse lead.

Rememorativo: cobrindo um acontecimento mais duradouro, dados mais antigos dão início ao texto, antecedendo à apresentação dos elementos mais recentes, atuais. Não confundir com “cronológico”, pois aquele ocupa toda a extensão do primeiro parágrafo com a seqüência dos fatos mais antigos para os mais novos; aqui, refere-se a algo mais ágil, como um curto período (de 150 toques, por exemplo) que resume os dados anteriores, seguido dos elementos mais atuais. Exemplo: “O incêndio que há cinco dias consome a Floresta da Tijuca avançou ontem sobre a Escola Municipal e o Museu do Açude, destruindo parcialmente...” (PENA, 2007, p. 47).

É como se ele não quisesse tirar a expectativa do leitor ao dar aquela notícia, porque ele diz que apesar de “A’ fazer um bom trabalho, foi “B” quem conquistou o que A merecia, isto é, o leitor quando começa a ler acredita rapidamente que ele será recompensado ou que alguma oportunidade boa virá em conseqüência disso, mas depois a frase não corresponde a essa expectativa e fala justamente o que não era esperado. Como diz a Folha na reportagem de 12 de abril de 2008, p. C1: “Menos de 48 horas após a polícia afirmar que o assassino da menina Isabella Nardoni, 5, estava 70% esclarecido, pai e a madrasta da menina foram libertados por ordem judicial”.

Adversativo: é caracterizado por iniciar, geralmente, com um advérbio que faz menção a uma expectativa não realizada; freqüentemente é empregado o clássico “apesar de” e a ressalva que o justifique; em seguida são apresentados os demais dados essenciais que irão constituir o lide. Exemplo: “apesar da expectativa de classificação para os Jogos Pan-americanos, em razão dos seus títulos mais recentes, o halterofilista Joel Farias foi afastado, ontem, da delegação brasileira após a divulgação dos resultados de exame antidoping pela Federação...”. (PENA, 2007, p. 47).

O lead explicativo informa ao leitor o motivo que levou aquela situação a acontecer. Ao falar do fato, ele diz que em razão de um fato aconteceu outro fato, então o leitor previamente já sabe o que virá pela frente, pois já tem uma noção de que quando acontece algo como foi citado, normalmente terá um mesmo desdobramento que outro parecido que ele já tomou conhecimento antes. Esse exemplo foi publicado na Folha de 22 de abril de 2008, p. C3: “Os gritos de uma criança ouvidos na noite em que Isabella Nardoni foi assassinada podem ser, para a polícia de São Paulo, do irmão de três anos da menina”. Ou seja, foram os gritos de uma criança na noite do crime que justificam para a polícia a possibilidade de ser do irmão de três anos.

Explicativo: uma espécie de “justificativa” abre o lide; ela tem a função de explicar em contexto se fez algo ou é possível entender um fato ou um pronunciamento. Tem função quase didática em relação ao público alvo. Exemplo: “Em razão dos sucessivos crimes contra taxistas na cidade, o Diretor Geral de Trânsito, Abel Ledesma, divulgou ontem o Plano de Serviços de Circulação Motorizada que prevê a obrigatoriedade da instalação de rádio-escuta em cada táxi do município...”. (PENA, 2007, p. 47).

O lead Apelativo não foi encontrado em nenhuma reportagem da Folha de S. Paulo, mas as matérias apresentaram aspectos de apelação, como palavras consideradas negativas ao casal, em negrito, ou títulos que levavam a população a pensar que o casal realmente era culpado, como na matéria do dia 17 de abril, 2008, página C1 que diz no título: “Mãe de Isabella acredita que casal é culpado”. O fato de dizer de forma ambígua os fatos, acontece quando o jornalista quer dizer algo que não tem certeza e, portanto, não pode dizer de forma direta. Então ele escreve de forma que não caracterize necessariamente aquilo que se quis dizer, mas que apenas se se subentende. Logo ele passa a mensagem desejada mas não pode ser penalizado. As formas de linguagem o permitem fazer essa construção.

Apelativo: aproveita a possível ambigüidade dos dados para narrar maliciosamente, com um tempero falso, insinuado, fatos que não têm esse teor. É um péssimo exemplar: “A Secretaria de Controle Urbano foi impedida de atender ao público, ontem, em conseqüência de verdadeiro bloqueio organizado nas proximidades da Cinelândia por um grupo de cidadãos de sexualidade ambígua, em protesto contra a decisão da juísa Maria da Glória, que não autoriza a retirada manifestação... Aos gritos de ‘queremos homem’, os manifestantes se recusaram a ser atendidos pela juísa...”. (PENA, 2007, p. 47).

Justamente por ter dezenas de jornalistas cobrindo o caso Isabella, que a Folha de S. Paulo precisou chamar bastante a atenção do seu leitor para as matérias sobre o crime.

Multilide: é uma espécie de antilide, na medida em que esvazia o primeiro parágrafo da concentração dos dados essenciais e os apresenta aos poucos, em cada parágrafo. A novidade aqui é o tratamento do estilo “jorro” que cada parágrafo recebe, formando um discurso sem a estrutura piramidal invertida, mas trabalhando de forma impactante e autônoma cada elemento essencial – por parágrafo. Às vezes um dado essencial ocupa mais de um parágrafo; em outras ocasiões, dois estão reunidos num mesmo parágrafo. O estilo articulado, bem amarrado, é outra marca da narrativa. (PENA, 2007, p. 48).

Sendo assim pode ser uma justificativa para não ter sido encontrado nenhum lead que o primeiro parágrafo estivesse vazio, sem muitas informações, sendo complementadas depois no estilo “jorro”, que é o caso do Multilide.

3.1 OS SENTIDOS DOS ENUNCIADOS DA FOLHA DE S. PAULO
Os textos não são narrativas fáceis de serem construídos, para isso é preciso o conhecimento técnico de uma série de regras que são normatizadas pela língua portuguesa. Assim, um fato é pensado, destrinchado, especulado e o enunciador tem a responsabilidade de saber escrever sobre aquele assunto, sabendo organizar cada etapa que constitui o texto, e assim dar sentido ao que é abordado.

Os textos não são narrativas mínimas. Ao contrário, são narrativas complexas, em que uma série de enunciados de fazer e de ser (de estado) estão organizados hierarquicamente. Uma narrativa complexa estrutura-se numa seqüência canônica, que compreende quatro fazes: a manipulação, a competência, a performance e a sansão. (FIORIN, 2001, p. 22).

Durante os textos também existem as manipulações, neste caso, na Folha de S. Paulo usou em suas matérias, diversos exemplos que levaram o leitor a acreditar que o pai de Isabella, Alexandre Nardoni; e sua esposa, Anna Carolina Jatobá, foram quem cometeram o crime. Fato que ainda não foi definitivamente decidido pela justiça, órgão que possui o poder de julgar, segundo o direito, a melhor consciência, e assim mantém a ordem social. Assim quando a Folha diz: “Promotor vê contradição entre pai e madrasta” está falando que em sua visão há contradições entre eles, mas não necessariamente o que existe em sua visão é a verdade absoluta, então a matéria sobre os acusados passou a ser manipulada pelo jornal para a sociedade, pois os dois não foram avaliados mais pelas evidências do crime, mas, sim, pela visão do promotor.

Na fase de manipulação, um sujeito age sobre o outro para levá-lo a querer e/ou dever fazer alguma coisa. Quando um pai determina que o filho lave o carro, ocorre uma manipulação e o filho passa a ser um sujeito segundo o dever, embora não necessariamente segundo o querer. Lembramos que o sujeito é um papel narrativo e não uma pessoa. É o ciúme o sujeito que impele Otelo a querer matar Desdêmona. Os dois sujeitos narrativos (o manipulador e o manipulado) podem ser representados, no nível discursivo, por uma mesma personagem. No enunciado “Aurélia resolveu casar-se com Seixas”, Aurélia é, ao mesmo tempo, o manipulador e o manipulado, agindo segundo o querer. (FIORIN, 2001, p. 22).

Para José Fiorin, (2001), “A narração constitui a classe de discurso em que estados e transformações estão ligados a personagens individualizados”.

Na fase da competência, o sujeito que vai realizar a transformação central da narrativa é dotado de um saber e/ou poder fazer. Cada um desses elementos pode aparecer, no nível mais superficial do discurso, sob as mais variadas formas. No romance O Curtiço, quando se narra que João Romão vivia miseravelmente, amealhando cada tostão com a finalidade de construir as casinhas do cortiço para alugar, o dinheiro poupado é a forma concreta do poder construir e as casinhas, por sua vez, são concretizações de um poder acumular cada vez mais. Nos contos de fada, o poder aparece, por exemplo, sob a forma de um objeto mágico que dá ao príncipe um poder de vencer o dragão: ora é o anel mágico, ora a espada mágica, etc. (FIORIN, 2001, p. 23).

Quando o jornal diz: “Para polícia, mulher bateu e pai jogou Isabella”, o contexto nesta frase transparecido é que os dois são culpados, mesmo tão cedo para se falar dessa forma, numa edição em que saiu a apenas dezessete dias do crime e que ainda houve diversos recursos e perícias para chegar ao verdadeiro desfecho do caso, a Folha foi tendenciosa, pois ela passou a mensagem desejada, mas de forma indireta. Assim, com essa construção o casal passou de acusado para ser culpado.

A performance é a fase em que se dá a transformação (mudança de um estado a outro) central da narrativa. Libertar a princesa presa pelo dragão é a performance de muitos contos de fada. Encontrar o pote de ouro no fim do arco-íris, ou seja, passar de um estado de disjunção com a riqueza para um estado de conjunção com ela pode ser uma performance. (FIORIN, 2001, p. 23).

Então a Folha publicou na matéria do dia 21 de abril, 2008, uma manchete que diz: “Anna Jatobá apanhou na prisão, diz avô de Isabella”. Depois que o jornal quase falou de forma direta sobre o crime como sendo praticado pelo casal, usou essa manchete exprimindo uma conseqüência daquilo que foi praticado. Nesta corrente considera que quando há uma ação, está por natural, provoca uma reação, isto é, “como a madrasta foi culpada, agora está pagando por suas ações”.

A última fase é a sansão. Nela ocorre a constatação de que a performance se realizou e, por seguinte, o conhecimento do sujeito que operou a transformação. Eventualmente, nessa fase, distribuem-se prêmios e castigos. Na história da Gata Borralheira, a humildade e a resignação são premiadas e a arrogância e o orgulho, castigados. (FIORIN, 2001, p. 23).

Cada construção textual possui um sentido real e que lhe foi atribuído pelo locutor. Quando o leitor decifra aquele texto, ele entende, justamente porque também dispõe do mesmo código que escritor, isto é, um está em sincronismo com o outro, ligados de alguma forma, pois se fosse ao contrário ambos não se entenderiam.

Considera-se, geralmente, que cada enunciado é portador de um sentido estável, a saber, aquele que lhe foi conferido pelo locutor. Esse mesmo sentido seria decifrado por um receptor que dispõe do mesmo código, que fala a mesma língua. Nessa concepção da atividade lingüística, o sentido estaria de alguma forma inscrito no enunciado, e sua compreensão dependeria essencialmente de um conhecimento do léxico e da gramática da língua; o contexto desempenharia um papel periférico, fornecendo os dados que permitem desfazer as eventuais ambigüidades dos enunciados. Se dissermos, por exemplo, “O cachorro late” ou “Ela está acesa”, o contexto serviria apenas para determinar se “o cachorro” designa um cão particular ou a classe dos cães; a quem o pronome “ela” se refere e se “acesa” se refere a um estado (a lâmpada está acesa) ou a um comportamento (a criança está acesa). (MAINGUENEAU, 2002, p. 19).

Quando a Folha de S. Paulo fala sobre o caso Isabella com a linguagem coloquial, isto é, a linguagem popular, porém não fugindo das normas cultas, o leitor entende o que ela está transmitindo, dessa forma tanto um alto executivo quanto outro profissional menos privilegiado compreendem a mensagem.