terça-feira, 4 de agosto de 2009

3 O USO DO JORNALISMO CIENTÍFICO PELA FOLHA

Ao realizar a análise do discurso da cobertura jornalística sobre o caso Isabella Nardoni, pelo jornal Folha de S. Paulo, constatou-se que foi utilizado o jornalismo científico, uma vez que suas matérias buscaram aprofundar as questões jurídicas envolvidas nessa cobertura para se descobrir um fato novo, isto é, quem cometeu o crime.
A importância de se fazer jornalismo científico no Brasil é um assunto muito discutido na academia, pois ao mesmo tempo em que alguns estudiosos defendem a importância de divulgar a Ciência & Tecnologia, outros falam que a formação cultural do povo brasileiro dificulta o interesse por assuntos como este.

Dizer que a ciência e a tecnologia são imprescindíveis ao desenvolvimento de um país parece hoje senso comum [...] O que nos importa aqui é tratar da necessidade de as pessoas, o maior número possível delas dentro de uma sociedade, terem acesso a informações cientificas. Em particular as que lhes afetam diretamente a vida, que têm feitos políticos, econômicos e sociais imperceptíveis às pessoas não informadas. (OLIVEIRA, 2002, p.11).

A sociedade brasileira mesmo com certa deficiência devido a sua formação cultural está cada vez mais evoluindo em diversas modalidades como saúde, estilo de vida e educação, logo está mais próxima de possuir maior interesse em se interessar nos assuntos da C&T. Outro fator é que não quer dizer que não exista uma parcela da população que não tenha interesse em assuntos como este justamente por existir a diversidade cultural.

Uma das questões que surgem com freqüência em discussões e debates sobre divulgação e jornalismo científico é precisamente a validade ou não de divulgar C&T. Esse questionamento não parte apenas de leigos ou pouco iniciados no assunto, mas com freqüência de jornalistas defensores da não-especialização e de cientistas-pesquisadores cépticos quando à capacidade de jornalistas ou demais comunicólogos de traduzir a linguagem científica para o público. Aliada à primeira questão surge a segunda: para quem divulgar C&T? Dúvida pertinente, dada a realidade sócio-econômica e cultural do país. (OLIVEIRA, 2002, p.11-12).

Saber discutir e opinar são de suma importância para a população que sem entendimento não sabe como participar das decisões que também lhes interessa afinal exercer a cidadania é conhecer as leis e saber como fazer suas aplicações, a partir do momento que um cidadão paga impostos, não somente por isso, mas ele tem o direito de participar das decisões dos assuntos públicos que deveriam ser acompanhados mais de perto, e, portanto, não é. A C&T é uma das formas de preparar o povo a saber e a entender a funcionalidade das instituições bem como estão e como devem ou deveriam funcionar. Ter acesso à educação, portanto, é fator primordial para o crescimento, de um modo geral, de uma sociedade. Se a educação fosse oferecida com maior compromisso as pessoas saberiam se dirigir melhor acerca dos assuntos que lhes cercam, assim não reproduziria de geração a geração que a justiça brasileira não funciona, pois com a maior participação social seriam maiores as chances de se chegar a um consenso. No caso Isabella Nardoni, devido ao destaque especial que foi apresentado a este fato, a justiça foi mais ágil e coagida pela sociedade no momento em que as pessoas gritavam em frente ao prédio do casal que queriam justiça.

Temos nesta exposição justificativa clara para afirmar que o acesso às informações sobre C&T é fundamental para o exercício pleno da cidadania e, portanto, para o estabelecimento de uma democracia participativa, na qual , na qual grande parte da população tenha condições de influir, com conhecimento em decisões e ações políticas ligadas a C&T. Entendemos que a formação de uma cultura científica, notadamente em sociedades emergentes como é o caso do Brasil, não é processo simples ou que se possa empreender em pouco tempo. No entanto, o acesso às informações sobre C&T como um dos mecanismos que pode contribuir de maneira efetiva para a formação de uma cultura científica deve ser facilitado ao grande público carente delas. (OLIVEIRA, 2002, p.13).

No caso Isabella Nardoni, a população acompanhou todos os dias na mídia o desfecho da história, mas os jornalistas também poderiam naquele momento apresentar fatos como aqueles que não tiveram o mesmo destaque devido às brechas que a lei oferece, e articularem uma possível reforma na Constituição Federal do Brasil. Se os jornalistas tivessem interesse sobre esse assunto estariam fazendo jus o jornalismo científico, que é o de auxiliar em novas descobertas da ciência para o bem comum social e a especialização nos diversos ramos da ciência, num momento como aquele que chamou tanto a atenção da população e poderia chamar ainda mais das autoridades em relação a esse assunto.

Com diz Fabíola de Oliveira (1997), “o novo profissional que incentivamos aqui deverá ter visão crítica e interpretativa da ciência, como já o fazem bons jornalistas nas áreas de política, economia, cultura e esportes, só para citar as mais tradicionais”.

O jornalismo científico de qualidade deve demonstrar que fazer C&T é, acima de tudo, atividade estritamente humana, com implicações diretas nas atividades sócio-econômicas e políticas de um país. Portanto, no mais alto interesse para o jornalismo e para a sociedade. A produção do conhecimento científico e o conseqüente desenvolvimento tecnológico estão presentes nas mais corriqueiras ações de nosso dia-a-dia. (OLIVEIRA, 2002, p.14-15).

A falta de educação proporciona atitudes como dizer que a justiça brasileira não funciona, o que é um equívoco, pois o que se observa é que nas leis existem brechas que permitem a combinação com outras leis que fazem muitas vezes uma infração se tornar impune. Às vezes um crime é divulgado pela mídia e ao tomar esse exemplo, passa-se a impressão que a impunidade é uma constante. O que ocorre é que quando os veículos de comunicação transmitem essas informações, a justiça leva em consideração e sabe como não permitir as brechas que a lei oferece para justamente dar uma resposta à sociedade que cobra solução e a justiça não quer que sua imagem seja associada como uma instituição sem credibilidade. Neste momento, além de divulgar o desenrolar do crime, caberia também ser discutidas a reformulação da Constituição Federal, se comparado o crime de Isabella Nardoni com outros similares que se diferenciam apenas por terem acontecido em regiões mais pobres, o que não é destacado pela mídia como em um bairro nobre e com a filha de um advogado, como foi o exemplo de Isabella.

A mais perversa conseqüência da falta de educação e de informação é a incapacidade de poder opinar ou decidir sobre coisas que podem afetar a vida individual, comunitária e até de toda uma nação. Mas, novamente, para exercer este direito de todo cidadão, é preciso estar bem informado. O jornalismo científico pode entrar em cena como agente facilitador na construção da cidadania. (OLIVEIRA, 2002, p. 15).

Mesmo com grandes diferenças entre o jornalismo e a ciência, ainda assim existem pontos em comuns que ambos trazem como de fundamental importância quando diz respeito à informação: tanto um quanto o outro trabalham em cima daquilo que é novo, de fundamental interesse social, para o conhecimento humano. Quando o jornalista busca informar sobre um novo assunto, uma nova ciência, ele passa a ser um cientista social, trabalha para um determinado público-alvo, ou não, pois existem temas que não necessariamente existe público-alvo, mas a sociedade inteira como é o caso de se fazer um estudo sobre a reforma na constituição de um país.
A produção do jornalista e a do cientista detêm aparentemente enormes diferenças de linguagem e de finalidade. Vejamos como. Enquanto o cientista produz trabalhos dirigidos para um grupo de leitores, específico, restrito e especializado, o jornalista almeja atingir o grande público. A redação do texto científico segue normas rígidas de padronização e normatização universais, além de ser mais árida, desprovida de atrativos. A escrita jornalística deve ser coloquial, amena, atraente, objetiva e simples. A produção de um trabalho científico é resultado não raro de anos de investigação. A jornalística, rápida e efêmera. O trabalho científico normalmente encontra amplos espaços para publicação nas revistas especializadas, permitindo linguagem prolixa, enquanto o texto jornalístico esbarra em espaços cada vez mais restritos, e portanto deve ser enxuto, sintético. (OLIVEIRA, 2009, p. 43).

Assim, ambos trabalham juntos quando a ciência precisa do jornalismo para auxiliar na sua divulgação, os jornalistas também precisam se especializar no determinado assunto o qual vai ser transmitido, para que ambos tenham o melhor possível de entendimento sobre aquele assunto. Quanto mais conhecedor for o profissional, maior o tamanho de sua contribuição como cientista. Neste caso entram as técnicas do jornalista para transmitir aquela informação utilizando a linguagem que, de acordo com seus conhecimentos, é a ideal para aquele tipo de público, então ele conseguirá chamar a atenção, a compreensão e despertar o interesse desse público para a notícia transmitida.

O casamento maior da ciência e do jornalismo se realiza quando a primeira, que busca conhecer a realidade por meio do entendimento da natureza das coisas, encontra no segundo fiel tradutor, isto é, jornalismo que usa a informação científica para interpretar o conhecimento da realidade. É claro que o jornalismo científico requer, no mínimo, além de bom conhecimento de técnicas de redação, considerável familiaridade com os procedimentos da pesquisa científica, conhecimentos de história da ciência, política científica e tecnológica, atualização constante sobre os avanços da ciência e contato permanentemente com as fontes, a chamada comunidade científica. O uso e o abuso da metalinguagem são excelente recurso para aproximar o público leigo das informações científicas. Quando as pessoas conseguem associar um princípio ou uma teoria científica alguma coisa que lhes é familiar, fica mais fácil a compreensão do assunto, e a comunicação científica torna-se eficaz. informação científica para interpretar o conhecimento da realidade. (OLIVEIRA, 2009, p. 43-44).

Quando se fala em jornalismo científico, fala-se na junção da ciência e do jornalismo. A primeira que é o estudo para se descobrir a verdade, para se chegar a uma resposta daquilo que ainda não tem; e o segundo, um profissional conhecedor das novas tecnologias da informação, dos mais variados aspectos sociais e que detém o conhecimento sobre os diversos assuntos de interesse público, assim quando se faz uma parceria entre as duas áreas, tem-se o jornalismo científico, aquele capaz de além de transmitir as notícias, pesquisa sobre assuntos de interesse público e social para que se traga uma contribuição para a humanidade. Mas não se restringe a apenas o estudo para se encontrar algo novo, pois aqueles que já encontraram e já fazem o uso daquela descoberta escrevendo para um determinado veículo de comunicação também é um jornalista cientista. O mesmo pode se dizer de profissionais que são especialistas e que contribuem com suas informações para um determinado jornal.

Outra coisa importante a ressaltar é que, ao contrário do que muitos pensam, o jornalismo não se restringe à cobertura de assuntos específicos de C&T, mas o conhecimento científico pode ser utilizado para melhor compreender qualquer aspecto, fato, ou acontecimento de interesse jornalístico. Assim, a informação científica pode estar presente em qualquer editoria: geral, de política, de economia e até de polícia e de esportes. A ciência ajuda a entender os fenômenos sociais e a interpretar as causas e conseqüências dos fatos de interesse jornalístico. (OLIVEIRA, 1999, p. 47).

Em se tratando do caso Isabela, foi verificado que a Folha de S. Paulo usou o jornalismo científico em diversas edições quando o jornal cobriu o crime. Primeiro para que o assassinato de Isabella tivesse um desfecho, foi preciso investigar, fazer perícia no local para ser comparado ao que os pais da menina estavam dizendo. Depois, como esse foi um assunto muito exposto na mídia e que na Folha não foi diferente, o uso do jornalismo para transmitir essas informações tornou-se necessário para que a população tivesse uma resposta àquele crime. Então quando a Folha de S. Paulo usou dados da perícia para elaborar suas matérias, ela fez o uso do jornalismo científico.

Vejamos o que diz a matéria abaixo:


Vestígios de sangue foram encontrados na maçaneta e dentro do carro Ford Ka do pai de Isabella, Alexandre Nardoni, por peritos do IC ( Instituto de Criminalística) da polícia civil. O material foi achado anteontem à noite depois de o delegado do caso, Calixto Calil Filho, do 9º Distrito Policial, requisitar nova perícia no veículo que Nardoni e sua mulher, Anna Carolina Jatobá, madrasta de Isabela, utilizaram momentos antes da morte da menina. Com o auxílio de reagentes químicos e um aparelho que emite uma potente luz -chamada luminol-, os peritos recolheram a substância. As amostras devem chegar hoje ao laboratório do instituto para análises mais precisas. O objetivo dos exames é saber de quem é o sangue. Somente com essa resposta a investigação saberá se ele pertence a Isabella, a seu pai, a madrasta ou a outra pessoa. Para decifrar isso, eles irão comparar o material genético da substância com amostras de sangue da vítima e do casal por meio de exame de DNA. A partir disso, a investigação policial terá mais elementos para interpretar o que possa ter ocorrido com a criança. Em depoimento à polícia, Nardoni declarou que usou o automóvel para ir com Isabella, Anna Carolina e os dois filhos que tem com ela a Guarulhos, e que depois voltou de lá, por volta das 23h30 e o estacionou na garagem do seu prédio, na zona norte da capital. As três crianças estariam dormindo. Em seguida, conta ele, subiu até o sexto andar com Isabella no colo a deixou no quarto dela. Depois, desceu para pegar a mulher e os outros dois filhos. Ao subir de novo –ainda segundo Nardoni-, às 23h50, não encontrou Isabella no quarto, viu sangue no corredor, a tela da janela do quarto dos irmão dela cortada, sangue na grade e no lençol. De cima, disse ter visto a menina caída no jardim. O resgate a encontrou com parada cardiorrespiratória. Nardoni afirma que alguém atirou sua filha da janela. Entretanto, após 12 depoimentos de testemunhas, amigos, parentes e funcionários do prédio já prestados na delegacia, nenhum diz ter visto outra pessoa entrar no local. O IC também busca saber de quem é o sangue no corredor, no lençol e na tela –o órgão acredita que a tela tenha sido cortada com uma tesoura. (KT) (FOLHA DE S. PAULO, 4. abril, 2008, p. C1).

Entrevistas com fontes especializadas também fazem parte do jornalismo científico, uma vez que ajudam na compreensão do assunto apresentado. No caso Isabella Nardoni, a Folha de S. Paulo fez uma entrevista com a historiadora e doutora em história social, Mary Del Priore, para entender as conseqüências sociais que o crime provocou. Na manchete o jornal diz: “Para historiadora, morte de Isabella é vista como sacrifício”. No subtítulo traz: “Ex-professora da USP, Mary Del Priore diz que noticiário sobre a menina causa comoção porque a morte na sociedade está “higienizada”, situação que foi rompida com o acaso”.

O fim dos rituais religiosos em torno da morte pode explicar a comoção causada pela morte de Isabella. A ”pequena hipótese” para explicar o fenômeno é da historiadora Mary Del Priore, ex-professora da USP e autora de 25 livros, entre os quais uma “História da Criança no Brasil”. “Numa sociedade em que Deus não está mais presente, é muito complicado entender um sacrifício dessa ordem”, diz, citando os casos de Isabella e de João Hélio. O destaque que a mídia dá ao caso Isabella, na visão da historiadora, resulta na mudança do papel da criança: “As pessoas têm menos filhos e concentram neles todas as suas esperanças. O filho é a identidade da família, é o que dá continuidade a uma linha de sangue, de nome. É um filharcado”. (FOLHA DE S. PAULO, 22. abril. 2008 p. C3).

Em seguida a Folha de S. Paulo continuou com uma entrevista mais explicativa e aprofundada sobre o assunto. A entrevista no jornal foi composta de 11 perguntas feitas com a professora.

3.1 O CASO ISABELLA: UM PRODUTO À VENDA
A partir do fim do século passado e a primeira metade deste, os profissionais de comunicação tiveram que se preparar culturalmente em relação a assuntos que dizem respeito a sua área de interesse para que pudessem responder às exigências de um mercado que se expandiria e que até hoje exige muita competência e profissionalismo.

A formação da grande indústria da informação cujo símbolo são as Agências de Notícias e as cadeias jornalísticas (fins do século passado e primeira metade deste), exige a profissionalização dos técnicos que processam esse produto. (MEDINA, 1988, p.19).

A verdade de uma notícia deve ser transmitida seguindo um critério de objetividade, ainda que seja uma verdade que o repórter que observa um fato utilize de sua percepção, e, conseqüentemente fuja um pouco às regras objetivas, este deve noticiar um fato fidedignamente ao máximo que puder, assim considera-se que há uma mensagem clara e concisa para que o leitor possa se informar tomando suas próprias conclusões, dentro do senso comum, a respeito daquilo que leu, sendo assim considera-se uma matéria objetiva.

A verdade de uma notícia, baluarte de um neoliberalismo (mercado livre de idéias) contemporâneo, se remete à fundamentação teórica da objetividade do acontecimento. Como diz Costalles, “o acontecimento é substantivo”. Mas ele também salienta que é transposto para uma mensagem, através dos sentidos. Como o repórter está sujeito a uma observação perceptiva pouco objetiva, a única solução teórica e pregar certos cuidados técnicos: “(...) a missão do repórter é captar a realidade objetiva com a maior amplitude e precisão possíveis, narrá-la com fidelidade, de tal forma que o leitor receba a mais cabal informação sobre o fato”. ¹² (MEDINA, 1988, p.20).

Na década de 40 estudiosos como Park e Lipmann já escreviam conceitos sobre notícias. Destes arcabouços teóricos pode-se concluir que a notícia possui um universo de construções, interpretações e técnicas que devem andar juntos para que se faça presente o seu propósito. A importância do repórter de somente se interessar pelo passado e pelo futuro é exatamente porque os acontecimentos tem implicações sobre a população que vão gerar outras implicações tanto para o presente quanto para o futuro que são conseqüências daquelas que aconteceram primeiro. O interesse noticioso se faz presente nesse processo de construção e interface entre notícia e população, uma vez que esta última lhe atribui, de acordo com suas características, interesse às notícias. Para se falar de um fato é necessário que se dê forma a ele através de uma série de aspectos que lhes ajudarão a consumar este fato, assim enquanto estes aspectos não são suficientes ou compreensíveis a ponto de tornar o fato consumado, este se torna subjetivo, isto é, cabendo diversas interpretações. Assim, o caso Isabella gerou uma série de interpretações durante sua apuração, justamente por não ter ainda sido elucidado, pois foi fato que Isabella foi assassinada, mas não foi fato que foram o pai e a madrasta, porque eles ainda estavam sendo investigados.

O repórter procura registrar cada acontecimento isolado, à proporção que ocorre, e só se interessa pelo passado e pelo futuro na medida em que estes projetam luz sobre o real e o presente.” Publicada e reconhecida a sua significação, o que era notícia se transforma em História. A relação público/notícia é configurada neste princípio – “todo público tem seu próprio universo de discurso e um fato só é fato em algum universo de discurso”. A manutenção de um fato para que se torne notícia (que os compêndios técnicos deixam no ar) é esboçada neste trecho de Lippmann: “Cumpre que haja uma manifestação qualquer. O curso dos acontecimentos precisa assumir certa forma definível e, enquanto não atingir a fase em que alguns de seus aspectos é fato consumado, não se extrema a notícia do oceano de verdades possíveis.”¹⁸ (MEDINA, 1988, p. 21-22).

A técnica de se fazer notícia, além de ter o compromisso social de informação, também se faz seguindo diversas outras vertentes como no caso Isabella, por exemplo. A Folha de S. Paulo utilizou sua cobertura desta forma. Além de ter que noticiar por se tratar de um fato agendado pela mídia, de ser um fato com critérios a ser noticiado e de também exercer sua função de empresa capitalista, o jornal construiu o caso Isabella Nardoni de forma que seu público se prendesse naquelas linhas e despertasse o interesse e especulações para a leitura das próximas edições.

Há uma distância considerável entre a teoria provinda de uma descrição da técnica de informação jornalística, ou dos próprios meios como a obra de Luka Brajnovic, Tecnologia da Informação, e a discussão e investigações críticas que estão acima referidas. Há muita certeza num postulado como o de Brajnovic: “A informação é o conjunto de formas, condições e atuações para fazer públicos – contínua ou periodicamente – os elementos do saber, de fato, de acontecimentos, de especulações, de ações e projetos, tudo isso mediante uma técnica especial feita com este fim e utilizando os meios de transmissão ou comunicação social. Esta técnica especial pode ser a técnica jornalística, que necessariamente utiliza instrumentos próprios para que a informação – conseguida e formada por esta técnica – se faça pública. O conjunto destes instrumentos é o que chamamos Tecnologia da Informação.” ¹⁹(MEDINA, 1988, p.22).

Falar da massa, e, aqui, especialmente aquela que lê a Folha de S. Paulo, se faz presente também como importante instrumento de consumo pelos produtos dos veículos de comunicação de massa no momento em que servem de público e consumidores daquele produto que se não os tivessem não teriam tal amplitude. A Escola de Frankfurt, de origem européia, trouxe grande contribuição em relação ao conhecimento da cultura de massa quando dois importantes estudiosos lançaram grandes reflexões ligadas à teoria do conhecimento.

A seguinte contribuição européia (Escola de Frankfurt), em oposição ao pragmatismo da pesquisa norte-americana centralizou-se numa reflexão global muito ligada à teoria do conhecimento. Benjamin, Adorno e Horkheimer estão nas raízes de uma Sociologia da cultura de massa. Nela Vamos, finalmente, encontrar elementos para situar a mensagem jornalística no seu quadro amplo de referência. (MEDINA, 1988, p. 26-27).

A Indústria Cultural se faz presente quando uma classe dominante cria produtos para que sejam consumidos pela massa, isto é, esse produtos são entregues moldados seguindo interesses de quem os constrói. Assim a massa passa a ser manipulada ao consumir os produtos pré-determinados. Isso acontece justamente por esta não ser organizada o que dificulta o consenso e conseqüentemente o conhecimento.
Adorno nos joga uma visão apocalíptica da cultura de massa e dá origem a um grupo de intelectuais que vêem, nesse monstro tecnológico, a ameaça de uma cultura autêntica, nascida ou da criação artística ou da cultura popular. “Em todos os seus ramos fazem-se, mais ou menos segundo um plano, produtos adaptados ao consumo das massas e que em grande medida determinam esse consumo.” ³³ (MEDINA, 1988, p.27).

A indústria cultural exerce função de produzir produtos para ser consumidos pela massa, assim ela reforça e transmite a incapacidade da massa para a própria massa quando ela não fabrica produtos que levam ao conhecimento intelectual considerado pelos estudiosos como importante, mas, sim, a diversão e distração. Estes produtos não oferecem a oportunidade de uma reflexão necessária para o seu entendimento devido a rapidez como estes acontecem. Os leitores da Folha de S. Paulo não compreendem, com exceção, os universos que formam todo aquele corpo formado de profissionais, técnicos, ideologias e propósitos que formam e construíram aquelas notícias, dessa forma alimentavam o jornal de expectativas e especulações a respeito do caso Isabella. É a indústria da notícia fazendo espetáculo da informação para ser consumida.

Adorno vê na indústria cultural (e este conceito entra cada vez mais na pauta teórica depois dele) toda a carga negativa de uma engrenagem a serviço do sistema, impermeável a mutações dinâmicas: “A indústria cultural abusa da consideração com relação às massas para reiterar, firmar e reforçar a mentalidade destas, que toma como dada a priori, e imutável. É excluído tudo pelo que essa atitude poderia ser transformada. As massas não são a medida, mas a ideologia da indústria cultural, ainda que esta última não possa existir sem a elas se adaptar.” ³⁴ O domínio da “racionalidade técnica”, para Adorno uma outra forma de Iluminismo, é o domínio repressivo do próprio sistema social a que a indústria cultural serve.³⁵ “Para o consumidor, não há mais nada a classificar que o esquematismo da produção já não tenha antecipadamente classificado A atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural de hoje não tem necessidade de ser explicada em termos psicológicos. Os próprios produtos, desde o mais típico, o filme sonoro, paralisam aquelas faculdades pela sua própria constituição objetiva. Eles são feitos de modo que, se a sua apreensão adequada exige, por um lado, rapidez de percepção, capacidade de observação e competência específica, por outro lado, é feita de modo a vetar, de fato, a atividade mental do espectador, se ele não quiser perder os fatos que, rapidamente, se desenrolam à sua frente.” ³⁶ (MEDINA, 1988, p.27).

A falta de uma cultura coerente se explica pelo fato de a indústria cultural reprimir e sufocar a massa com seus inúmeros produtos que em alguns, como alguns filmes hollywoodianos, que Adorno e Horkheimer dizem que o divertimento se torna tensão ao próprio espectador.
Adorno e Horkheimer, vivendo a fase de apogeu do cinema de Hollywood, sentem violentamente a distância de uma cultura coerente [...] O produto cultural, nele se incluindo a mensagem jornalística, é uma arma certeira do sistema e os autores da Escola de Frankfurt não perdoam: “Quanto mais sólidas se tornam as posições da indústria cultural, tanto mais brutalmente este pode agir sobre as necessidades dos consumidores, produzi-las, guiá-las e discipliná-las, retirar-lhes até o divertimento.” Ao analisar a ideologia da cultura de massa, Adorno e Horkheimer denunciam a transposição (fotografia) da realidade em pura mentira, seu pseudo-significado não formulado explicitamente, mas sugerido e inculcado. “Na indústria cultural, o indivíduo é ilusório não só pela estandartização das técnicas de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade sem reservas com o universal permanece fora de contestação.” (MEDINA, 1988, p.27-28).

Os produtos da indústria da cultura enganam seus consumidores justamente por não serem de fato aquilo que parecem ser ou está produzido para parecer ser, pois tudo acontece de forma grandiosa, e justamente porque não poder se tornar realidade, o público se interessa e segue numa busca constante como se quisesse tornar possível tudo aquilo, é um comportamento característico da natureza humana.

3.2 A COMUNICAÇÃO E A LINGUAGEM PELA FOLHA
A linguagem, o pensamento e o trabalho são fatores importantes para a vida humana, é através da linguagem que se torna possível o entendimento entre um ser e o outro que junto com o pensamento fazem juntos uma organização de idéias para que seja possível o trabalho. O homem se diferencia dos outros animais justamente por que pensa e produz cultura para si próprio. A Folha de S. Paulo usou em suas matérias a linguagem coloquial, porém, formal, mantendo o dialeto da língua portuguesa. A mesma linguagem utilizada nos jornais da TV, como o Jornal Nacional, Jornal do SBT e Jornal da Record e revistas, como Veja e Isto É.

Linguagem, pensamento e trabalho: esta a trilogia que se manifesta na origem da sociedade humana. Na verdade, não estão aqui dispostos numa ordenação, já que os três interagem e são inseparáveis. De maneira simplificada, podemos dizer que o homem traçou uma linha divisória entre si e o mundo animal que se faz parte, no momento que começou a produzir ferramentas. É o trabalho humano, inseparável da consciência, do pensamento, que por sua vez, está geneticamente ligado à fala. (BACCEGA, 1998, p.16).

É através da linguagem que os homens se comunicam entre si para conseguir o entendimento necessário para satisfazer suas necessidades. Assim, de um modo geral, entende-se por linguagem a verbal e não verbal, isto é, a escrita, a fala, a mímica, os sons, os símbolos e os sinais, como os de transito, por exemplo.

Segundo Rossi-Landi, “a linguagem e as línguas, com o seu produto, formam-se na dialética da satisfação das necessidades, isto é, no processo em que se instituem as relações de trabalho e de produção; a própria linguagem é um trabalho e as línguas surgem como objetivação necessária desse trabalho”³. E completa: “a linguagem não responde à necessidade do indivíduo a não ser que antes responda às necessidades de toda a comunidade”. (BACCEGA, 1998, p.16-17).

A linguagem é abrangente e, portanto, não consiste apenas da linguagem culta que se aprende com as instituições sociais como escola, família e religião, mas sim de um modo geral, porque ela é usada para o entendimento, pois o emissor transmite ao receptor que decodifica e assim acontece o processo de comunicação. Onde há linguagem, há comunicação. Na Folha, por exemplo, as fontes falaram utilizando a norma culta da língua portuguesa por se tratar de autoridades, como delegados, advogados ou os familiares de ambos os acusados que conhecem como usá-la, mas se outra fonte falasse palavrões, o jornal poderia publicar, porém, apresentando às técnicas como aspas ou parênteses.

A atividade lingüística não consiste simplesmente em “etiquetar” a realidade. O valor dos “objetos”, das ações é atribuído pela sociedade e circula no universo lingüístico. As possibilidades de nossa interação com eles existem, portanto, dentro desse universo, já que só podemos tomar consciência dessas relações na medida em que significam e elas significam apenas por meio da linguagem. O uso da linguagem, sobretudo a verbal, está sempre determinado pelas condições reais em que o diálogo de efetiva. Toda palavra dirige-se a um interlocutor, presente ou ausente, o outro ou o próprio outro de quem fala. “Eu não sou eu e nem o outro, sou qualquer coisa de intermédio”, diz o poeta Mário de Sá Carneiro. (BACCEGA, 1998, p.20-21).

Devido às diversas vertentes que se criou na forma de fazer linguagem e a diversidade cultural, nem sempre a comunicação funciona como deveria. Quando isso acontece, dá-se o nome de “falta de comunicação”.

A escolha dos fatos da realidade, sua ordenação e a instituição de um universo outro onde eles circularão, que são características do discurso literário, revelam a importância do indivíduo/sujeito. Por isso um pronome caro ao discurso literário é o eu. Trata-se de pronome de sentido sempre renovado – tanto quanto se renova o indivíduo/sujeito – que, ao chegar ao interlocutor, se cruzará com o sentido do eu que caracteriza esse outro. (BACCEGA, 1998, p.39).

Para Baccega (1998), “embora estejam ambos, no mesmo código, locutor e interlocutor, eles poderão estar em formações discursivas diversas ou, ainda que numa mesma formação discursiva, poderão ter interpretações diferentes”.