terça-feira, 4 de agosto de 2009

2 ANALISE DO DISCURSO DA FOLHA NO CASO ISABELLA NARDONI

Em 29 de março de 2008, a mídia apresentou pela primeira vez a morte de Isabela Nardoni, uma menina de 5 anos, de classe média alta que caiu do 6º andar do apartamento do seu pai e madrasta, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, na zona norte de São Paulo, região do Carandiru, cerca de 23h50 de sábado. O pai e a madrasta foram à delegacia e contaram à polícia que chegaram em casa com a família e quando desceram para buscar o restante das coisas no carro, na garagem, alguém entrou em seu apartamento, cortou a tela de proteção e jogou sua filha de 6º andar. Ainda meio tímida, a mídia aos poucos foi dando cada vez mais atenção a este caso que virou um espetáculo, e da forma que foi mostrado por alguns veículos, chocou a sociedade. Durante esse período, mesmo ainda cedo e sem decisão judicial, a maioria dos veículos de comunicação já falava sobre o assunto como se tivesse certeza de que foram o pai e a madrasta da menina quem a matou.

Tornou-se algo comum ver manchetes em jornais impressos, revistas e emissoras de televisão mostrando declarações do promotor Francisco Cembranelli, declarações estas que ainda não tinham sido comprovadas e ainda eram muito precipitadas para se falar daquela forma, pois para ele, para sua profissão e até por sua experiência como promotor pode ser comum agir desta forma, mas para as emissoras de televisão e os jornalistas não, estas informações devem ser filtradas. Programas de auditório, aqueles que normalmente são à tarde, fazendo do caso, uma forma de envolver o telespectador e ganhar audiência, causando um verdadeiro desrespeito à privacidade das famílias e moradores do prédio onde aconteceu o fato e daquelas pessoas que moravam perto do local da ocorrência. Um ano se passou e o caso inda não teve uma decisão final e ainda cabe recurso para ambos os acusados. Por mais que sejam evidentes os fatos, não cabem o julgamento pela mídia; ela serve de meio que decodifica e transmite as informações.

Ao analisar o discurso, que segundo Orlandi (1999) “visa à compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos”, selecionou-se a Folha de S. Paulo, que tem circulação por todo o Brasil e é considerado um dos maiores jornais impressos do país, com maior tiragem em relação a todos os outros: 309.383, na frente do segundo colocado, O Globo, com 276.385. A Folha de S. Paulo, como todos os outros veículos de comunicação, participou da cobertura do caso Isabella, publicando diariamente, notícias na primeira página do caderno Cotidiano, apresentando destaque principalmente nos meses de abril e maio de 2008. Após esse período, a Folha não mostrava mais com tanta ênfase o assunto, mas continuou a acompanhar e a publicar as novas informações divulgadas pela justiça durante as investigações.

2.1 A FOLHA DE SÃO PAULO
A Folha de S. Paulo nasceu em 19 de fevereiro de 1921 com o nome Folha da Noite. Em 1960 dois amigos, Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, compraram e a Folha mudou de nome.
O veículo é conhecido pela cobertura e apoio a diversos movimentos políticos como a eleição de Júlio Prestes à presidência da República, em 24 de outubro de 1930. Após esse apoio o jornal teve sua fachada depredada e parou de funcionar.
A Folha só voltou a funcionar em 1931, com mudanças em sua linha editorial. Anos mais tarde, a Folha apoiou o Golpe de 1964 e a Ditadura Militar o que mais tarde trouxe prejuízos ao veículo que teve sua circulação comprometida, pois grupos de esquerda que, contrários à Ditadura incendiavam as bancas que recebiam o jornal, em 1970.

A Folha sempre se mostrou interessada em continuar suas atividades como um veículo de comunicação. Foi pioneira no que diz respeito à modernização de sua redação quando, em 1980, foi a primeira a trazer computadores à sua redação. Ainda nesta época a Folha começou a ilustrar suas matérias com infográficos que hoje lhe dão o título de um dos jornais que têm os melhores e mais bem explicativos infográficos do Brasil. Durante o caso Isabella, a Folha de S. Paulo usou infográficos em quase todas as suas matérias.

Cada vez mais crescente, o jornalismo impresso no país, a Folha de S. Paulo teve que inovar e trouxe, em 1990, novas opções dentro do jornal, como Revista da Folha, Folha Teen, e a TV Folha. Hoje o jornal traz como cadernos principais, Capa, Opinião, Brasil, Mundo, Ciência, Dinheiro, Cotidiano, Esporte, Ilustrada e Acontece, além de Classificados.
Atualmente, a Folha de S. Paulo é o veículo impresso que mais vende no estado de São Paulo, após superar o seu principal concorrente, O Estado de S. Paulo, em 1990, quando investiu em sua reformulação gráfica.

2.2 ANÁLISE DO DISCURSO
Ao analisar um texto, utiliza-se as técnicas necessárias para que se possa fazer análise tentando também ser o mais transparente possível, esclarecendo o sentido ideólogico-linguístico das palavras, fazendo assim um trabalho abrangente e mostrando os processos multiformes, polissêmicos e semânticos das palavras, apontando, extraindo ou re-significando-as de acordo com a metodologia discursiva.

Os procedimentos da Análise do Discurso têm a noção de funcionamento como central, levando o analista a compreendê-lo pela observação dos processos e mecanismos de constituição de sentidos e de sujeitos, lançando mão da paráfrase e da metáfora como elementos que permitem um certo grau de operacionalização dos conceitos. (ORLANDI, 1999, p. 77).

Ao observar um corpus, o jornalista verifica o estudo da língua e a forma que ela é apresentada, inserindo-se assim, os esquecimentos, porém nesta etapa apenas um deles é usado, que é o esquecimento numero dois. Segundo Eni Orlandi (1999), “o esquecimento número dois, que é da ordem da enunciação: ao falarmos, o fazemos de uma maneira e não de outra, e, ao longo de nosso dizer, formam-se famílias parafrásticas que indicam que o dizer sempre podia ser outro”.

Vamos aqui retomar o que já referimos [...], a saber, que a análise se faz por etapas que correspondem à tomada em consideração de propriedades do discurso referidas a seu funcionamento, e vamos cotejar as etapas com os procedimentos que dão forma ao dispositivo. Na primeira etapa, o jornalista, no contato com o texto, procura ver nele sua discursividade e incidindo um primeiro lance de análise - de natureza lingüístico enunciativa - constrói um objeto discursivo em que já está considerado o esquecimento numero 2 (da instância da enunciação), desfazendo assim a ilusão de que aquilo que foi dito só poderia sê-lo daquela maneira. Desnaturaliza-se a relação palavra-coisa. Nesse momento da análise é fundamental o trabalho com as paráfrases, sinonímia, relação do dizer e não-dizer etc. (ORLANDI, 1999, p. 77)

O jornalista mostra as diferentes formas de se apresentar um discurso e verifica as relações entre sua composição e as relações formadas por um conjunto de idéias. Apresenta-se o esquecimento numero um, que também é chamado de esquecimento ideológico. Para Eni Orlandi (1999), [...] “ele é a instância do inconsciente e resulta do modo pelo qual somos afetados pela ideologia. Por esse esquecimento temos a ilusão de ser a origem do que dizemos quando, na realidade, retomamos sentidos pré-existentes”. Na Análise do Discurso verificam-se as relações multiformes das palavras, e leva-se em consideração aspectos históricos, lingüísticos, sociais e ideológicos.

Na segunda etapa, a partir do objeto discursivo, o analista vai incidir uma análise que procura relacionar as formações discursivas distintas – que podem ter-se delineado no jogo de sentidos observado pela análise do processo de significação (paráfrase, sinonímia etc.) – com a formação ideológica que rege essas relações. Aí é que ele atinge a constituição dos processos discursivos responsáveis pelos efeitos de sentidos produzidos naquele material simbólico, de cuja formulação o analista partiu. Desse modo é que temos dito que a historicidade deve ser compreendida em análise de discurso como aquilo que faz com que os sentidos sejam os mesmos e também que eles se transformem. (ORLANDI, 1999, p. 78).

Na matéria que a Folha publicou em cinco de abril, traz a manchete: “Promotor vê contradição entre pai e madrasta, e no subtítulo: Depoimentos sobre a morte de Isabella, 5, têm divergência na seqüência dos fatos, diz Francisco Taddei Cembranelli. Como de praxe no jornalismo, o lead traz as mesmas informações e a matéria diz, nas primeiras linhas que o promotor não explicou essas contradições. Aos poucos a matéria vai explicando tudo novamente e dizendo como foi que aconteceu o fato. Neste dia, o jornal enfatiza bastante as palavras do promotor como “Contradições existem”. “Alguns aspectos são obscuros”, e mais embaixo diz que segundo o promotor há relatos feitos pelo pai e pela madrasta de Isabela que não batem com informações fornecidas por testemunhas, e mostra entre aspas: “Nós não temos aí versões que se completam”. “São versões opostas, que se chocam”. Mais na frente mostra o porquê Cembranelli acha isso:

Nem mesmo quando eles [Alexandre e Ana Carolina] retornaram [ao apartamento] revelaram que havia sangue na entrada, perto da porta de ingresso. [O sangue] era visível a ponto de o delegado, quando fez o levantamento do local, ter notado chamado a polícia e o sangue foi colhido ali na hora. (FOLHA DE S. PAULO, 5. abril, 2008, p. C2).

Nas últimas linhas a Folha de S. Paulo afirma que o Ministério Público também encontrou versões contraditórias em relação ao que disseram as testemunhas, e apresenta a versão do promotor: “Tem versões do casal que não foram confirmadas e foram desmentidas por testemunhas. É por isso que acho a versão deles fantasiosa”. Na matéria tem um box que apresenta, segundo o jornal, as Inconstâncias no Depoimento do Casal - destaca o nome Madrasta, e diz que segundo o MP há contradições entre os depoimentos; Sangue - fala que o casal omitiu à policia o fato de haver sangue no apartamento, segundo o Ministério Público; Arrombamento - diz que segundo o MP, o pai afirmou aos policias que o ladrão tinha arrombado a porta do apartamento, e diz que não aconteceu isso, e que a versão não foi repetida pelo casal; e por último, relato - diz que o PM Luiz Carvalho disse a Folha que ouviu o pai dizer que uma pessoa entrou no apartamento e jogou a filha pela janela e logo em seguida diz que a promotoria informa que não consta nos autos. Por último e em espaço bem menor do que o resto da matéria, diz que o pai de Isabela apresenta lista de suspeitos, apresentando algumas falas do advogado do casal.

A Folha de S. Paulo mostra, na matéria inteira, muitos depoimentos de fontes com argumentos considerados negativos ao casal Nardoni. Primeiro começa pelo título que sintaticamente, a palavra “contradição” significa “ao contrário”, então se o promotor não vê coerente as versões apresentadas pelo casal, pode se dizer que nas relações sócio-históricas quando, em caso de justiça, acontecem desta forma, no final de todas as investigações, que as pessoas acusadas são culpadas, neste caso não é diferente.

Como naquele momento o casal ainda não tinha sido condenado definitivamente, e ainda hoje não foi aquele título poderia ser diferente, “Em Depoimento à polícia, Pai e Madrasta Falam de forma Diferente Um do Outro”, o fato de o pai e a madrasta da menina não falarem de forma igual à polícia, a impressão que se tem é muito diferente da usada originalmente, porque se eles falam diferente, quer dizer que não falaram exatamente igual, mas que ainda existe o que se investigar, enquanto em “contradição”, a impressão que se tem com a palavra é que já foi concluído o raciocínio daquele caso e não há mais nada a ser averiguado e pronto, como fala Eni Orlandi (1999) que “essa impressão, é que denomina ilusão referencial, nos faz acreditar que há uma relação direta entre o pensamento, a linguagem e o mundo, de tal modo que pensamos que o que dizemos só pode ser dito com aquelas palavras e não outras, que só pode ser assim”.

Ideologicamente a Folha de S. Paulo não têm motivos para querer mostrar que o casal é culpado, mas quem escreve a matéria, o faz também com base nas instituições sociais e ideológicas que naquele momento toda a mídia e população estavam acreditando na culpa do pai e madrasta, justamente pelo fato de como esta transmite, mas ainda assim o jornalista que escreveu a matéria sabe que não pode dar o assunto como certo porque ainda não foi julgado pela justiça, então ele encontra naquilo que suas próprias ideologias querem dizer, um refúgio que é muito utilizado no jornalismo: o segundo alguém disse. E assim ele dá forma à matéria de acordo com o que psicologicamente quer, mas acredita estar fazendo de forma transparente.
O mesmo acontece com o restante da matéria, quando o jornal mostra o promotor falando, por exemplo,

Nem mesmo quando eles [Alexandre e Ana Carolina] retornaram [ao apartamento] revelaram que havia sangue na entrada, perto da porta de ingresso. [O sangue] era visível a ponto de o delegado, quando fez o levantamento do local, ter notado chamado a polícia e o sangue foi colhido ali na hora. (FOLHA DE S. PAULO, 5. abril, 2008, p. C2).

O jornal por si só já explica e interpreta as palavras através de cochetes, mas o que deve ser analisado nas palavras do promotor é quando ele fala “nem mesmo”, o “nem” está subjetivamente significando negação a algo, e “mesmo” enfatiza o que está sendo dito, e logo em seguida se junta a “revelaram” que ao vir depois de nem mesmo tem se a idéia que existe algo que eles não revelaram antes e que neste momento também não revelaram o sangue, ou seja, eles nem revelaram que mataram a menina e nem mesmo que havia sangue no chão? “Os dizeres não são como dissemos, apenas mensagens a serem decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo em que se diz” [...] Eni Orlandi (1999).

Outra parte que chama a atenção na matéria é quando o jornal mostra na matéria de 5 de abril, página C2 “Tem versões do casal que não foram confirmadas e foram desmentidas por testemunhas. É por isso que acho a versão deles é fantasiosa”. Folha de S. Paulo (2008).
O uso desta declaração é apelativa. Nem tudo que a fonte diz deve ser mostrado por um veículo de comunicação. Aliás, as informações colhidas da fontes devem ser filtradas antes de transmitidas.

A palavra “desmentida” significa declarar que são falsas as informações de alguém, Aurélio (2009), logo se o casal apresentou informações falsas que é o inverso de verdadeiras, estão mentindo e se são mentirosos foram eles que realmente cometeram o crime? Logo esta construção semântica poderia ter sido diferente. No lugar de “desmentidas”, poderia ter sido “igual” isto é, “e não foram iguais aos das testemunhas”, logo, se não foram iguais, foram diferentes e, portanto, a impressão que se tem é que a polícia tentará descobrir em que foram diferentes.

Em 17 de abril, a Folha de S. Paulo publicou como título da matéria do caso Isabella a frase “Mãe de Isabella acredita que o casal é culpado”. Por que será que os jornalistas André Karamente e Kleber Thomaz escolheram esse título para a capa do jornal? Em um momento de investigações e acusações não cabe à população saber o que a mãe de Isabella acredita ou não naquele momento tão inicial, pois a mãe de Isabella não tinha um bom relacionamento nem com o pai e nem com a madrasta da menina, como a própria Folha publicou, não poderia ela estar expondo suas mágoas e de alguma forma querendo fazer justiça neste momento tão delicado para o casal, utilizando os meios de comunicação para ajudá-la? Sim, poderia, mas o jornal publicou isto, porque naquele momento o que todos diziam e acreditavam era de que o casal cometeu o crime, então de forma inconsciente os jornalistas fizeram esta construção porque eles acreditavam que naquele momento só poderiam escrever ou falar daquela maneira ou que, por mais que eles não pudessem confirmar o que já era dado como certeza, pois jamais falaram que eles foram culpados sem utilizar o “segundo a polícia” ou “segundo o delegado”, eles faziam essas construções ideológicas da forma que induziram os leitores a achar que foram os dois.

Qualquer leitor conhecedor dos poderes de um veículo de comunicação poderia facilmente analisar essa reportagem desta maneira, porque durante todo o seu corpo apareciam motivos que mais faziam a mãe da menina de vítima do que o próprio casal que também poderia ser vítima e ainda não tinham sido condenados definitivamente. Assim parágrafos diziam:

Ana Carolina Cunha de Oliveira, 23, mãe de Isabela, disse à polícia acreditar que Alexandre Nardoni, 29, pai da menina, e Ana Carolina Trotta Peixoto Jatobá, 24, a madrasta, estão envolvidos diretamente no crime. A transcrição do seu depoimento perfaz seis páginas e apresenta a seguinte declaração: ”Na sua concepção acredita que Alexandre [Nardoni] e Anna Carolina possam estar de alguma forma diretamente envolvidos no que aconteceu”. (FOLHA DE S. PAULO, 17. abril, 2008, p. C1).

Logo em seguida, o jornal quer destacar que sua notícia foi importante e afirma: “A Folha revelou em sua edição de ontem que a polícia já decidiu indiciar Nardoni e Anna sob acusação de assassinato e que vai requisitar à justiça a prisão preventiva do casal”. Folha de S. Paulo (2008). Mas começa a mostrar tudo que o pai de Isabella fez de ruim durante o relacionamento com a mãe de sua filha ou durante o tempo em que eles estiveram juntos, e para chamar a atenção do leitor, o jornalista usa algumas palavras em negrito, o que também se configura espetáculo, pois somente as frases mais fortes são destacadas, o que não havia porque, se elas já estavam separadas em boxes.

Na segunda página de seu depoimento, a mãe de Isabella afirmou que Nardoni, quando a menina tinha um ano e quatro meses, ameaçou matar a ex-sogra, e que isso virou caso de polícia, registrado em uma delegacia da zona norte. Disse que “Isabella, após chegar das visitas feitas ao pai, por vezes apresentava mordidas e pequenas marcas arroxeadas”. Disse também que “em uma oportunidade á mãe de Alexandre comentou com ela que o neto Pietro havia beliscado Isabella e o pai, Alexandre, teria ficado irritado com o menino, ergueu o filho a certa altura e o soltou no ar, caindo ao chão”. Disse que, quando Isabella tinha um ano e quatro meses matriculou a menina na escola. Alexandre não queria e, quando soube, achou que era idéia da mãe de Ana Oliveira. O pai da menina foi à casa da sogra para discutir com ela. Ana Oliveira disse que quando chegou à sua casa, ele estava na porta. “(...) Estava transtornado, dizendo que ia resolver isso; (...) ele estava de moto; que saiu por alguns instantes e retornou, dizendo que estava armado e que iria matar a mãe” dela. (FOLHA DE S. PAULO, 17. abril, 2008, p. C1).

Na matéria de 14 de abril, a Folha de S. Paulo publica dados do diretor do instituto Hideaki Kawata, que fala:

A polícia diz que alguém tentou apagar manchas de sangue do apartamento do casal Alexandre Nardoni e Ana Carolina Trotta Jatobá, após a primeira perícia realizada no local pelo Instituto de Criminalística. O Instituto Médico Legal promete entregar a polícia até quarta-feira o laudo final sobre a causa da morte de Isabela. Segundo o diretor do instituto Hideaki Kawata, o documento não trará “grandes surpresas” em relação ao que já foi divulgado na mídia sobre o caso. (FOLHA DE S. PAULO, 14. abril, 2008, p. C3).

Mais uma vez, num momento tão inicial declarações como estas eram dadas e os repórteres as publicavam. Ora, se ele garante isso, praticamente já disse de forma indireta que o casal era culpado, porque era isso que a mídia divulgava também de forma indireta, mas todos entendiam e reproduziam aquelas informações como certas.

Na reportagem publicada pela Folha, em 19 de abril de 2008, no caderno Cotidiano, a manchete foi: “Multidão canta, acusa e pede linchamento”. Este título parece que a Folha de S. Paulo concorda com o que está acontecendo, comportamentos que não justificam a intenção dos manifestantes de linchar os acusados, uma vez que existe a Justiça para resolver assuntos como este. A Folha de S. Paulo simplesmente usou este acontecimento como título de destaque no jornal o que pôde ter incentivado novas pessoas a irem para a frente do prédio do casal, além de não respeitar o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, capítulo II, de 1987, Art. 7º, em que diz que o jornalista não pode usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime. Entende-se por “incitação”, instigar, estimular de acordo com o dicionário Auréllio. Ainda que o jornal não esteja fazendo campanha para que as pessoas saiam de casa vá para a frente do prédio dos Nardoni, isso instiga, anima ou induz que algumas pessoas façam a mesma coisa, o que seria violência também.

O título poderia passar a mesma mensagem de que as pessoas estavam querendo solução daquele caso, mas não tinha necessidade de repetir exatamente o que as pessoas diziam ou queriam. O título ficaria melhor ética e tecnicamente se fosse “Multidão canta e pede justiça na morte da menina”; dessa forma o leitor entenderia que havia pessoas na frente do prédio, que aquelas pessoas não estavam satisfeitas, que apesar de estarem ali, queriam justiça. Não necessariamente precisaria utilizar apalavra “linchamento”, pois poderia ter sido perigoso, isto é, se outros leitores se identificassem com aquela situação, poderiam sair de suas casas e ir para a frente do prédio ou de alguma forma enfrentar a polícia e pegar o casal para fazer tal procedimento. Falar a verdade de um fato não quer dizer reproduzi-lo, mas, sim, divulgá-lo de forma ética e profissional sem correr o risco de causar desordem social.

Algo como cem profissionais da imprensa (entre repórteres, fotógrafos, cinegrafistas e pessoal técnico) acompanham a turma dos manifestantes. Tudo foi muito bem organizado pelo delegado Luiz Antônio Pinheiro, do GOE (Grupo de Operações Especiais) (FOLHA DE S. PAULO, 19. abril, 2008, p. C3).

No dia 16 de abril, a Folha de S. Paulo publicou uma matéria em que na manchete trouxe a frase: “Para polícia, mulher bateu e pai jogou Isabella”, e no subtítulo: “Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni serão indiciados sob acusação de que ambos assassinaram a menina”.
Ambos comprovam a espetacularização e superexposição do caso. O caso Isabella deveria, sim, ser apresentado à sociedade, mas não com todo esse destaque, uma vez que não se trata de uma descoberta, de algo novo. Todos os dias dezenas de crianças são assassinadas de forma similar ou não, e o desfecho ocorre normalmente sem a presença dos veículos de comunicação e da superexposição.

O jornalista que escreveu essa matéria, André Karamente, o fez dessa forma porque todos os veículos diziam direta ou indiretamente que o casal era culpado, sem ter o julgamento finalizado ainda, porque até o momento ainda cabiam vários recursos de defesa por parte dos advogados do casal. A edição da matéria acatou ou até mesmo elaborou esse título, mostrando uma sintonia com a tendência dos outros meios de comunicação. Com esse título “Para polícia, mulher bateu e pai jogou Isabella”, inconscientemente o jornalista já tinha ideologicamente a certeza de que os dois acusados realmente cometeram o crime, só não podia dizer de forma direta como “Mulher bateu e pai jogou Isabella”, como fez a revista Veja com o título “Foram eles”, porque ele sabia que no outro dia poderiam dar o casal como inocente, por isso que ele não fez dessa forma; mas quis mostrar que o casal era culpado, então construiu o texto de forma que conseguisse passar a mensagem do jeito que ele queria, mas falou, segundo a polícia, dizendo que ela deduzia isso. Mas não é porque a polícia diz que tem que ser publicado na íntegra ou tomar este dizer como verdade absoluta.

O efeito psicológico que esse título provoca no leitor é de que realmente o assunto já foi elucidado; o que de fato não aconteceu. O jornalista foi tendencioso na construção desse título.

Ao longo da matéria, existem trechos como: “Para a polícia o crime está totalmente esclarecido” e “Para os dois delegados responsáveis pela investigação, Isabella foi jogada do 6º andar do Edifício London por seu pai”. Se o crime já tinha sido esclarecido, por que demorou tanto para o casal ser condenado (até o momento não foi), pois ainda que a justiça demore a julgar os processos, devido ao seu grande número, naquele momento ainda era muito cedo para serem divulgados esses dados técnicos da polícia.

Não se trata de dizer que o casal Nardoni foi inocente ou culpado, mas de mostrar até que ponto algumas informações são relevantes ou não, assim como o cuidado na hora de apurar o que as fontes passam para os jornalistas, porque muitos deles as transmitem na íntegra, o que se torna um equivoco reproduzido por inúmeros profissionais. Ainda era cedo para tais conclusões, e um dado que comprova isso foi encontrado na própria matéria da Folha que disse: “Sem dar maiores detalhes, a mãe de Isabella disse que esta semana outras surpresas iriam aparecer com o encerramento do caso”, e logo em seguida diz que a mãe de Isabella não quis dizer se sabia de novas informações não divulgadas, e acrescenta “Mesmo que soubesse não ia dizer. Já falei que não vou falar nada sobre o crime até que a polícia conclua a investigação e diga exatamente o que aconteceu”. Ora, como é que acima, a matéria diz que para a polícia foram eles, que o crime já está totalmente esclarecido, e no mesmo momento jornal, no mesmo momento em que as coisas aconteciam, a mãe de Isabella fala isso? É fato que o jornal, para continuar a falar sobre o assunto, lançou muitas informações ao mesmo tempo, para dar destaque ao fato, o que se tornou confuso.

Logo ao lado, uma pequena matéria aparece com o título “Camiseta de Nardoni tem vestígios de náilon que podem ser da tela, diz polícia”, outra contradição, pois a palavra “pode”, significa possibilidade que por sua vez significa chances, que pode ou não pode ser do pai, então como o caso já está esclarecido se ainda há duvidas? Depois se percebe mais uma contradição quando diz “A pegada ao lado de um pingo de sangue na cama do quarto onde Isabella foi jogada pode ser de Anna Jatobá. Isso porque o calçado e a pegada são compatíveis”, existe outro “pode”, então o crime ainda não tinha sido totalmente esclarecido, e o jornalista deveria apurar melhor as informações. Mas o jornal publicou.